domingo, 6 de outubro de 2013

Existe racionalismo decisório no direito?

diversos experimentos a demonstrar a ausência de racionalismo decisório, mas, nos cursos de Direito, grande parte dos professores segue ensinando, sem constrangimentos, o racionalismo decisório. 

Dan Ariely, professor de economia comportamental da Universidade Duke e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), é autor de Previsivelmente Irracional. Ariely afirma que as decisões que as pessoas tomam - mesmo as mais milimetricamente calculadas - são contaminadas por sentimentos ou influências imperceptíveis. E essas decisões costumam ser tomadas sem qualquer racionalidade.

Sem perceber, os indivíduos, frequentemente, deixam de usar a razão. Isso acontece porque as decisões humanas são guiadas por fatores que passam despercebidos pelo cérebro. É possível estimular as pessoas a ver a realidade de um jeito distorcido - e elas acharão que estão vendo tudo da forma mais lógica possível. 

Se uma pessoa é estimulada a adotar certa perspectiva, ela pode acabar percebendo o mundo de forma diferente - o que se reflete em suas decisões. Um exemplo: alunos do MIT foram reunidos para fazer uma prova de matemática. Eles tinham 5 minutos para resolver vários problemas. Ao fim do tempo, deveriam rasgar a prova, dizer quantas questões haviam feito e ganhar dinheiro por elas. 

O resultado: vários alunos mentiram, porque sabiam que não seriam pegos. Mas, num dos testes seguintes, os alunos tiveram de jurar sobre a Bíblia que não iam enganar os pesquisadores. E eles não mentiram - nem mesmo os ateus. Ou seja, não tiraram uma conclusão em função dos benefícios do dinheiro e do risco de serem pegos. O raciocínio deles foi orientado pela moral, e isso inclui aqueles que supostamente nem acreditam na Bíblia.

É difícil entender por qual razão, a cada dia que passa, ganha mais força, nas faculdades de Direito, as teorias que apregoam o racionalismo decisório.

A tomada de decisões envolve questões que, não raro, passam desapercebidas. Recentemente, um estudo sobre o "viés de ancoragem" testou se tal viés afetaria a decisão de juízes experientes.

Os resultados mostram-se, no mínimo, inquietantes.

O estudo selecionou 52 juízes alemães, com média de 27 anos de idade e lhes expôs um caso criminal em que a ladra havia furtado itens de um supermercado pela 12ª vez.

Os juízes deveriam, antes de cominar a pena, lançar dois dados que lhes foram entregues com o objetivo de determinar qual seria a pena requisitada pelo promotor. Os dados entregues eram viciados e, por isso, a soma sempre correspondia a 3 ou 9. Após visualizar os resultados, os juízes realizavam o cálculo da pena.

A análise dos resultados demonstrou que a pena sugerida pelos juízes estava ancorada nos números que apareciam nos dados, embora acreditassem, piamente, na racionalidade de suas decisões. Os juízes em que o par de dados teve como resultado 9 cominaram, em média, uma pena de 8 meses. Os juízes cujos dados tiveram como resultado 3, alcançaram, em média, a pena de 5 meses. O “viés de ancoragem” foi de 50%.

A influência do inconsciente sobre o cálculo da pena também deveria impressionar os defensores do racionalismo decisório.  Estudos sobre a influência do recebimento de seguro concedido à vítima e a punição dada aos criminosos trazem resultados interessantes.

Em um dos testes realizados durante a pesquisa, 29 estudantes universitários com idade média de 19 anos foram questionados sobre qual seria a pena de um criminoso pelo roubo de uma câmera. Os universitários foram divididos em dois grupos para analisar o caso, sendo que, no caso entregue a um dos grupos, a câmera era segurada contra roubo, o que garantia o recebimento de novo aparelho pela vítima do roubo. 

Cada um dos participantes do grupo deveria escolher o número de dias de serviço comunitário, mínimo de 1 e máximo de 20, que corresponderia à pena do ladrão. Os resultados demonstraram que os estudantes expostos ao caso da câmera segurada tendiam a punir o ladrão menos severamente (média de 9 dias) em comparação àqueles expostos à câmera sem seguro (média de 13 dias) de serviço comunitário. Esses dados demonstram que, apesar de o bem furtado ter sido o mesmo, a mente humana é condicionada a dar maior valor ao bem sem seguro, agindo esta garantia, embora seja um fator independente da vontade do ladrão, como um elemento amenizador de sua pena.

Em outro experimento, os autores reuniram 113 estudantes universitários, com média de 20 anos, para determinar qual seria a opinião sobre a influência do seguro no cálculo da pena. Os universitários foram divididos em três grupos para analisar o caso: um em que havia seguro envolvido, um sem seguro e outro em que eles eram expostos a ambas as situações. 

Neste teste, o caso se referia à batida de carro, ficando o carro da vítima danificado enquanto o automóvel do responsável pelo acidente não sofreu avarias. O autor fugiu do local mas, algum tempo depois, foi preso pelo ilícito cometido. No entanto, no período entre os acontecimentos, o veículo foi totalmente reparado. Os indivíduos teriam então que aplicar pena de serviços comunitários entre 1 e 20 dias ao autor.

Cada um dos indivíduos que analisou apenas uma das situações foi questionado se puniria o autor de forma diferente com base no seguro. Os resultados demonstraram que 81% destes universitários consideram que o seguro não deve interferir na pena. Quanto aos estudantes que analisaram ambas as situações, 79% fixou penas iguais nos dois casos. Estes dados refletem a crença de que crimes iguais devem ser tratados de forma igual, independente de seguro. No entanto, a mente humana está condicionada a punir mais severamente os crimes quando não há seguro, fato comprovado pela média das penas cominadas ao mesmo crime pelos grupos que analisaram apenas uma das situações, sendo de 6 dias em caso de existência de seguro e 8 em caso de sua ausência.

Interpretação Jurídica

Os julgadores não interpretam regras, senão relatos e argumentos. Regras são vieses de ancoragem na tomada de decisão (tanto para o agir, quanto para julgar).

O direito não se mostra como relações comportamentais segundo regras. O grande dilema do direito não aparece como problema normativo, mas como problema interpretativo. Regras idênticas podem descortinar ações, hermeneuticamente mediadas, diversas. E como ações idênticas são diversamente relatadas e ensejam argumentos díspares, decidir se torna inevitável. 

Por outro lado, não há controle sobre o conteúdo decisório, nem mesmo quando se está diante do mesmo julgador. 

Levantamento feito pelo Judiciário mostra que 60% dos magistrados levam em conta aspectos sociais e econômicos nas decisões. Apenas 19% não adotam esses critérios. 

O que é julgar? O que se passa na mente do julgador ao decidir algo? Indagações como essas são da mais alta relevância para aqueles que lidam com o direito. Os estudos jurídicos precisam atentar para o que os juízes consideram ao decidir uma demanda e para os principais aspectos orientadores de suas escolhas. [Weber, Elke U. Johnson, Eric J. Mindful Judgment and Decision Making. The Annual Review of Psychology, v.60, 2009, pp. 53-85.] 

Aquele que julga, ao impor a sua decisão a um terceiro, faz uso dos mais diversos critérios possíveis. [Harvey, Nigel, Twyman, Matt e Harries, Clare. Making Decisions for Other People: The Problem of Judging Acceptable Levels of Risk. Forum Qualitative Social Research: Volume 7, No. 1, Art. 26 January 2006, pp. 2 e 3.] 

Dificilmente juízes diriam que julgam sem levar em conta os balizadores legais. Os dados do anuário, por outro lado, mostram que seis em cada dez membros do Judiciário consideram aspectos sociais, econômicos e de governabilidade. 

Entre os setenta e cinco ministros ouvidos na pesquisa, quarenta e seis responderam que observam aspectos sociais e econômicos em seus julgamentos. Quatorze disseram decidir tecnicamente e somente com base nas leis e outros quinze não se manifestaram.

Ao julgar, os juízes costumam ter uma visão conjuntural ou observam unicamente a legislação vigente? Ao apreciar uma demanda, levam em consideração o contexto, os fatos, a repercussão? Fazem isso balizados pela legislação? [Um estudo conduzido em universidades alemãs demonstrou que, diante da possibilidade de uma revisão da sua escolha, as pessoas tendem a procurar resultados mais rápidos, que maximizem os seus ganhos imediatos – sem ponderar acerca das consequências a terceiros. É, novamente, uma atuação pura do sistema de recompensas em ação, o que se estudará neste capítulo. Quando os participantes tinham, por outro lado, o seu poder de escolha reduzido – ou seja, a decisão que tomassem não poderia ser revista ou alterada – percebeu-se maior racionalidade e a incidência de constrições morais, religiosas e legais. Para o que interessa aqui, é importante ter em mente que a possibilidade de recurso judicial a instâncias superiores desencadeia, de certa forma, tanto para o juiz como para as partes afetadas pela sua decisão, o primeiro mecanismo, e não o segundo. [Felser, Georg. „‘Du kannst es dir ja nochmal überlegen‘ – Warum uns reversible Entscheidungen nicht zufriedener machen”. Journal of business and media psychology, Ausgabe 2, 2012, pp. 2 e 9.]

Juízes não "aplicam" textos legislativos. Trata-se de noção distorcida. Os julgadores decidem demandas (interpretando relatos e argumentos contidos nos autos processuais e nas intervenções orais), possivelmente, orientados por textos legislativos. 

A legislação aparece, portanto, apenas como um viés de ancoragem da interpretação dos relatos e dos argumentos.

O juiz interpreta o texto escrito pelos advogados e o texto verbalizado nas intervenções orais.

A invocação do texto legal é argumentativa. Poder-se-ia invocar, por exemplo, que uma decisão ancorada estritamente no texto legislativo constitucional (exemplo: concessão de habeas corpus para estrangeiro não residente no Brasil) seria inconstitucional. Esse argumento tem valor similar ao que postula o ancoramento estrito no texto legal constitucional.

Texto: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade ...

Decisão: “o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado” (STF, HC 94016 MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 7/4/2008).

A questão central da hermenêutica jurídica é decidir a demanda, isto é, interpretar os relatos e os argumentos trazidos pelas partes; decidir se o estrangeiro não residente no Brasil merece ter seu direito de ir vir assegurado por meio de habeas corpus e não se o caput do art. 5º da legislação constitucional ampara ou não essa pretensão do demandante.

O jurista interpreta relatos de algo já passado ou relatos meramente imaginários.

Conforme o § 1º, do artigo 71, da Lei das Licitações (Lei 8.666/1993), a administração pública não responde pela inadimplência da empresa contratada com relação a encargos trabalhistas. [Entendimento firmado pelo STF na ADC 16]. Por outro lado, na análise dos autos da Reclamação (RCL) 15052, ficou configurada a culpa da administração do Estado de Rondônia na fiscalização do contrato. Havia cláusula contratual que condicionava repasse de recursos públicos à empresa contratada à comprovação da regularidade da situação trabalhista, o que não foi feito.

O processo hermenêutico jurídico poderia corresponder àquilo que Gerald Edelman denomina imagens mentais condicionadas a certo tempo em torno do presente mensurável, isenta de conceitos de eu, de passado e do futuro e situada para além do registro descritivo individual direto a partir do seu ponto de vista?

A consciência elaborada envolveria o reconhecimento por um sujeito pensante, dos seus próprios atos ou afetos, um modelo do que é pessoal e do passado e do futuro, tal como presente?

Os seres humanos possuem um consciente para além da consciência primária? 

Em caso afirmativo, a hermenêutica jurídica talvez encontre uma contribuição interessante nos pressupostos físico, evolutivo e dos qualia, conforme classificação edelmaniana. 

No pressuposto físico, ter-se-ia a base adequada, porém ainda insuficiente para explicar integralmente a consciência. 

O pressuposto evolutivo corresponderia à aquisição da consciência, donde adviria a capacidade de adaptação evolutiva aos indivíduos que a possuem, ou forneceria a base para outros traços que aumentam a capacidade de adaptação. 

A compreensão do pressuposto dos qualia depende de se entender, anteriormente, o que seria qualia. Qualia equivalem a um plexo de experiências, sentimentos e sensações pessoais ou subjetivas que acompanham o estar consciente. Eles não podem ser completamente partilhados por outro indivíduo. 

Esse pressuposto dos qualia estabelece a distinção entre a consciência elaborada da primária. 

A hermenêutica jurídica afigura-se como expressão da consciência elaborada ou primária?

sábado, 5 de outubro de 2013

Eu escrevo com dificuldade.

"Eu escrevo com dificuldade. Mas, a mim, não me irrita só escrever com dificuldade. Se, um dia, eu escrever com facilidade deixarei de escrever de vez. A facilidade não leva a nada. Ainda que, de repente, baixar o Espírito Santo e eu começar a escrever com facilidade, espero ter a coragem de deixar." João Cabral de Melo Neto

Juiz não existe para acertar ou errar. Existe para julgar demandas.

Não há racionalizômetros. Ademais, o que é racional para um julgador pode não ser para o outro. E assim por diante... Como se mede a racionalidade de uma decisão jurídica? Racionalizômetro? Quem pode determinar o que é racional ou não racional? Como se mede o "senso comum do que seria razoável"? 

Determinação do direito para resolver demandas jurídicas ultrapassa a razão. Direito expressa-se transracionalmente. 

Juiz não existe para acertar ou errar. Existe para julgar demandas. Determinar o direito para elas. Decidir juridicamente casos ajuizados. Há errômetro ou acertômetro judiciário? Ou alguém com poderes para determinar o que é erro ou acerto judicial?

Não há aplicação do direito. Não há direito a priori a ser aplicado. O direito se afigura como construção hermenêutica em contínua mutação. Juízes não aplicam direito. Julgam demandas. Determinam o direito por meio do processo hermenêutico deviniente. Médicos aplicam vacinas. Juízes julgam demandas. Determinam direito para uma demanda como expressão de processos interpretativos dinâmicos.

Momento em que não se consegue crescer sem trabalho árduo

"quando se tem um verdadeiro talento, consegue-se evoluir usando apenas o talento natural, sem muito esforço. Mais tarde chega o momento em que não se consegue crescer sem trabalho árduo”. Evgeny Kissin

Quando pronuncio a palavra Futuro

"Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe no que ainda não existe." 

Wisława Szymborska

Pertencimento

Pertencimento

Sei que nada me pertence
além do pensamento, que vence
minha alma e dela escorre
a alegria de cada momento
que de um destino de alento
e do abismo me socorre

Goethe

De um mineiro pacato e pacífico

De um mineiro pacato e pacífico:

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.

Um homem plural

"O que advogo é um homem plural, munido de um idioma plural. Ao lado de uma língua que nos faça ser mundo, deve coexistir uma outra que nos faça sair do mundo. De um lado, um idioma que nos crie raiz e lugar. De outro, um idioma que nos faça ser asa e viagem." Mia Couto

Do Direito Que conosco nasceu, ninguém cogita.

"(...) Dessa ciência
O estado conheço. Leis, direitos,
Como eterna moléstia se transmitem,
De geração em geração se arrastam,
De lugar em lugar. Vem a ser erro
O que já foi verdade, em dom funesto
Se torna o benefício, e és desgraçado
Porque tarde viestes! Do Direito
Que conosco nasceu, ninguém cogita." Goethe

Neutralidade e Injustiça

“Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor”. Desmond Tutu

sábado, 27 de julho de 2013

Reminiscências do XXVI Congresso Mundial de Filosofia do Direito e Filosofia Social

Ontem, com agradável jantar tipicamente mineiro, encerrou-se o XXVI Congresso Mundial de Filosofia do Direito e Filosofia Social. Foram dias interessantes. Aos poucos, relatarei minhas impressões devidamente anotadas em um caderno oferecido pela organização do evento.
1. A organização do evento esteve impecável;
2. A estrutura da UFMG foi elogiada até por um professor japonês;
3. Muitos participantes destacaram a receptividade dos brasileiros;
4. Os horários foram mais ou menos respeitados e os grupos de trabalho suscitaram debates interessantes;
5. Das conferências principais, destaco a do Professor Lafer que analisou, sobretudo por ocasião dos questionamentos, o momento insurrecional por qual passa o Brasil. Aliás, os estrangeiros demonstraram grande curiosidade em relação a isso. Vários deles me perguntaram sobre o que se passa no Brasil;
6. O jurista mais ilustre a participar do evento foi Eugenio Bulygin. Ele não ministrou conferências, nem fez comunicados nos grupos de trabalho. Mas suas intervenções em alguns debates ficarão registradas em nossa memória. Tive a felicidade de vivenciar uma homenagem que foi feita a ele em razão de seu aniversário;
7. Foi muito interessante participar de alguns grupos de trabalho com a presença dos Professores Tercio e Lafer. Vê-los como simples participantes, sentados nas carteiras, fazendo perguntas como se ainda fossem estudantes foi uma experiência legal. Isso só reforça minha proposta metódica de ensino jurídico transversal, qual seja, aquela em que o professor é só mais um agente do processo de interação e discussão;
8. Além dos professores Lafer e Tercio, entre os filósofos do Direito brasileiros, esteve presente Luiz Fernando Coelho. Entre os de língua espanhola, vale mencionar Ricardo Guibourg e Oscar Sarlo. Falarei, depois, de alguns juristas europeus, americanos e de outras partes do mundo.
9. Será difícil esquecer o carisma e a capacidade de fazer amizade do texano Joshua Tate.
10. Recomendo a todos que conheçam os escritos do polonês Dawid Bunikowski, professor de Direito na Finlândia. Foi o melhor comunicado que vi no evento. Conversamos por horas e temos muitas convergências de pensamento. Além de excepcional orador, é muito simpático.
11. Por falar em simpatia, lembrarei, com muito gosto, do sorriso e do olhar de Sindiso Mnisi Weeks. Ela tinha um jeito todo especial de olhar e de sorrir.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Entrevista Max Schrems


O Facebook não respeita as leis de privacidade europeias
Fundador do grupo 'Europa contra o Facebook' diz que a única alternativa ao usuário é cobrar leis mais fortes

BERNARDO MELLO FRANCO DE LONDRES

Em 2011, um austríaco com então 23 anos resolveu desafiar o Facebook. Max Schrems, estudante de direito em Viena, evocou as leis europeias de proteção da privacidade para pedir cópia de todas as informações que a rede social guardava sobre ele.
A resposta veio num dossiê de 1.222 páginas. Além do que o próprio Schrems compartilhava com os amigos, o site armazenava uma pilha de dados à sua revelia, como uma lista dos locais de onde ele acessou o site e os comentários que havia apagado.
A experiência levou Schrems a fundar o grupo Europa Contra o Facebook (Europe vs Facebook, em inglês), que cobra respeito às regras de privacidade dos usuários.
A entidade já teve algumas vitórias, como obrigar o Facebook a desativar uma ferramenta que identificava automaticamente o rosto das pessoas em fotos de terceiros.
Os alertas de Schrems ganharam importância depois que o jornal britânico "Guardian" acusou a rede social de repassar dados para o sistema de espionagem americano Prism, o que a empresa nega. Leia os principais trechos de entrevista concedida à Folha no sábado.

Folha -Por que você decidiu declarar guerra ao Facebook?
Max Schrems - Apresentei a primeira queixa depois de descobrir que o Facebook guardava dados que eu já havia apagado da minha conta. Eles desrespeitam de várias maneiras as leis da União Europeia sobre privacidade. Para fugir dos impostos, o Facebook mantém a sua sede comercial na Irlanda. Isso faz com que, fora da América do Norte, o site tenha que se enquadrar às leis europeias.
Sua organização indicou vários pontos em que a rede social descumpre essas leis. O que precisa mudar?
Já apresentamos 22 queixas sobre temas diferentes. Cada uma delas requer mudanças específicas. Nós não fizemos isso só por reclamar, mas também para mostrar que é possível manter uma rede social que respeite a privacidade das pessoas.
Você pediu cópia de suas informações armazenadas pelo Facebook e recebeu um dossiê de mais de 1.000 páginas. Que tipo de dados eles guardam?
Descobri que eles também armazenavam informações que já haviam sido deletadas ou que foram produzidas e arquivadas sem o meu conhecimento.
Esta é a questão mais controversa. O Facebook espiona usuários e não usuários da rede e tem mais informações do que as pessoas publicam em seus perfis.
Eles também recolhem dados sobre você a partir dos seus amigos e conseguem descobrir coisas através de sistemas estatísticos, que são usados em larga escala.
É possível saber o que o Facebook está fazendo com os dados pessoais de seus usuários?
Não. A maior ameaça à privacidade é que nós não temos nenhum controle sobre o que eles fazem com esses dados em seus servidores dos Estados Unidos.
As empresas têm criado suas próprias políticas de privacidade na internet, mas normalmente elas são tão vagas que permitem que se faça qualquer coisa com as suas informações pessoais.
É sabido que o Facebook mantém um histórico das atividades e dos gostos de cada usuário e processa esses dados para escolher os anúncios que aparecem em sua tela. O que mais eles conseguem fazer?
Isso também não está claro. Um exemplo: eles usam informações do nosso histórico para só nos mostrar o que gostamos de ver. Isso significa que opiniões diferentes das nossas são filtradas para que a gente não se irrite com o conteúdo que aparece quando abrimos o Facebook.
É uma espécie de "censura de bem-estar" na rede. O Facebook coopera quando recebe pedidos ligados a investigações policiais em diversos países, o que é legítimo. Mas agora sabemos que todos os dados estão sendo usados por órgãos de espionagem do governo americano.
Mark Zuckerberg disse ter ficado indignado com as notícias ligando a rede social ao sistema Prism. Você acredita que a inteligência do governo americano tenha acesso direto aos servidores do site?
Eu apostaria meu dinheiro nisso, e acho que seria uma aposta segura. Os EUA já admitiram a existência do Prism. A única alegação deles é que os alvos não são cidadãos americanos. Para mim, que não sou americano, não é uma resposta satisfatória.
Até aqui, não surgiram indícios fortes para desmentir a informação de que o Facebook participa desse esquema de vigilância maciça.
Além disso, sob as leis americanas, você é obrigado a mentir sobre a sua colaboração com esse tipo de esquema. Não vejo motivos para acreditar que a versão deles seja verdadeira.
Que recomendações daria aos usuários brasileiros do Facebook preocupados com sua privacidade?
Acho que agora todos já sabem que é bom pensar duas vezes antes de publicar algo na internet. Individualmente, não há muito o que fazer. Temos que cobrar a criação e o fortalecimento de leis que protejam a privacidade para que essas novas tecnologias voltem a merecer confiança.
Uma ministra na Venezuela sugeriu que a população abandone o Facebook para não trabalhar de graça para a CIA. O que acha desse tipo de recomendação?
O problema prático é que não há alternativas reais. Se você sair individualmente do Facebook, possivelmente vai tentar levar seus amigos para outra rede social.
A única solução real seriam redes sociais abertas, em que você pudesse interagir com pessoas que estão em outras redes. Da mesma maneira que pode mandar um email de um provedor para outro ou ligar para um telefone de outra operadora.
Você ainda usa o Facebook?
Sim. Acho que deixar os serviços que nos espionam não é a solução. Na verdade, você mal consegue usar a internet sem fornecer dados ao Google, à Apple, à Microsoft, à Amazon ou ao Facebook. Temos que fazer com que as empresas respeitem a nossa privacidade, e não passar a nos autocensurar.
Está satisfeito com os resultados da sua campanha? Qual é seu objetivo final?
Já conseguimos que o Facebook desativasse o sistema de reconhecimento facial fora da América do Norte. Eles também tiveram que deletar dados antigos, formular uma nova política de privacidade e montar uma equipe de 15 pessoas só para lidar com as nossas queixas. 

sábado, 13 de julho de 2013

O que transforma o velho no novo bendito fruto do povo será.

Não quero regra nem nada
Tudo tá como o diabo gosta, tá,
Já tenho este peso, que me fere as costas,
e não vou, eu mesmo, atar minha mão.
O que transforma o velho no novo
bendito fruto do povo será.
E a única forma que pode ser norma
é nenhuma regra ter;
é nunca fazer nada que o mestre mandar.
Sempre desobedecer.
Nunca reverenciar.

domingo, 30 de junho de 2013

A pior "tese" que já li.


22.05.09

Relatório de análise da "tese" de doutorado de Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Título: A teoria penal de P. J. A. Feuerbach e os juristas brasileiros do século XIX: a construção do direito penal contemporâneo na obra de P. J. A. Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas do Brasil.

Dividirei a análise do trabalho em quatro perspectivas:
1. relacionada à forma
2. relacionada à metodologia
3. relacionada à questões que a leitura do trabalho suscita
4. relacionada à tese em si

1. No que tange à forma:

Atualmente, examinar questões formais perdeu importância. É até razoável que isso tenha acontecido. Afinal, ater-se às formalidades em detrimento de outros pontos mais relevantes de um trabalho acadêmico pode se afigurar como mera perda de tempo. Porém, no caso da doxografia de Mafei, os erros formais são de tal monta que configuraria enorme displicência deixá-los totalmente de lado.
Necessário mencionar que é difícil encontrar uma folha no escrito dele que não possua erros formais.
Inumeráveis são os erros de digitação. Seria laudatório apontar todos. Exemplifico, por meio de um panorama geral, o que estou a mencionar:
Fl. 06 – falta um “a” em disciplina
Fl. 08 – falta um “o” em como
Fl. 43 - Faltou um “s” em distintas teorias
Fl. 86 - “a esse ato” e não “ao esse ato”
Fl. 102 há mais de um problema falta um “s” em “mesmas”... “pelas mesmas linhas gerais”... falta um “de” em “vontade de alguém”.
Fl. 121 falta um “r” em poder agir
Na Fl. 130 há um “em” a mais “em ordenamentos” e na Fl. 133 há um “a” a mais em “a grande”
Na Fl. 157 há um erro curioso, uma vez que se repete na Fl. 174 “entre das duas”... não seria “entre as duas”?...
Fl. 216 falta um “s” em grande... “as grandes linhas”
Fl. 340 há um “de” a mais em “tese de direito penal”
Fl. 344 “ele” e não “elel”
Friso que essas menções não são exaustivas. Há exemplos de erros como esses em quase todas as folhas do trabalho.
Nas notas de pé de páginas, nota-se, igualmente, a ausência de revisão apropriada:
Fl. 33, nota 22: “As leis régias eram tentavam esvaziar”... o “eram” está sobrando aí...
Fl. 50 – nota 38 “Escolhi eleger”... parece-me um pleonasmo vicioso... uma redundância desnecessária.
Fl. 230, nota 306: “relação ao às idéias”... há um “ao” sobrando aí...
A falta de cuidado não se revela apenas no que tange à língua portuguesa. Nos demais idiomas o problema se repete. Foco no alemão, mas poderia citar exemplos nos demais idiomas. Friso, apenas, palavras elementares de tal idioma e de familiaridade de juristas, pois, se fosse me ocupar dos erros em língua germânica encontrados nesse trabalho, passaria dias a digitá-los, eis os exemplos:
Fl. 37 Há um “r” a mais em “Bundesverfassungsgericht”... Mafei escreveu „BundesverfassungsgeRrichts“
Na Fl. 102, nota 113, até a clássica palavra direito (Recht) aparece com grafia errada Rechst... o “t” deveria vir antes do “s”.
Há, ainda, erros mais graves. Digo mais graves porque não se trata de deslizes relacionados à digitação ou mera distração, mas de erros elementares de língua portuguesa. Para não restar cansativo e não me ocupar demasiadamente com aspectos formais do estudo, demonstro apenas os que reputei de maior gravidade:
Na Fl. 125, o candidato escreve algo pouco escusável até na língua falada: “que mandam ele evitar”...
No final da Fl. 304, há erro relacionado à pontuação “é correto dizer que, (vírgula... faltou a vírgula), na cultura jurídica da primeira metade do século XIX, o código de 1830...”
Há diversos problemas de concordância pronominal, sobretudo, em relação às próclises, exemplo, Fl. 193 “que se referia” e não “que referia-se”... o “que” atrai o “se”...
Fl. 225 “a saída foi não se restringir” e não “a saída foi não restringir-se”... a partícula negativa “não” também atrai o “se”.
Creio que já me ocupei em demasia com problemas formais. Talvez, nem fosse o caso. Mas esses exemplos são mínimos ante a quantidade de erros de toda sorte presentes no trabalho. Urge revisão atenta e cuidadosa.

2. No que tange à metodologia

O sumário não está justificado e foi disposto de modo embolado... Não bastasse, só há referência das páginas dos títulos, mas os subtítulos não estão referidos... dificultando, sobremodo, o exame da obra. O sumário precisa ser refeito, para permitir exame mais adequado do trabalho.
Na. Fl. 09, Mafei fala em justificativas, mas não demonstra, de modo claro, quais os motivos justificam o desenvolvimento do seu trabalho. A relevância do trabalho vem timidamente justificada apenas na Fl. 358 [seis folhas do fim do trabalho]. No início do trabalho, ele não deixa nítidas as razões para justificar a importância de sua pesquisa, acaba o fazendo quase na derradeira folha.
Ao ler, na Fl. 06, que “a ideia central da investigação é explicitar o sentido normativo por trás de duas etapas históricas da formação do direito penal contemporâneo” fiquei na expectativa de que tal seria a perspectiva norteadora do trabalho, porém, na designada pergunta metodológica da investigação (Fl. 14), o “normativo”, em um passe de mágica, desaparece, senão, observe-se: “qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal contemporâneo e como eles refletem na dogmática penal brasileira do século XIX?”
Qual é o problema a ser resolvido pela pesquisa? É explicitar o sentido normativo por trás de duas etapas históricas de formação do direito penal contemporâneo? Ou responder “qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal contemporâneo”?
Uma coisa “é explicitar o sentido normativo por trás de duas etapas históricas de formação do direito penal contemporâneo”; outra coisa é procurar responder “qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal contemporâneo”. No primeiro caso, estar-se-ia próximo à metodologia de um trabalho de dogmática jurídica. No segundo caso, estar-se-ia em torno de uma metodologia relacionada a uma investigação histórica.
Na Fl. 20, parece que Mafei fará, efetivamente, “uma investigação sobre a formação histórica de uma disciplina...” entretanto, menciona que tal pesquisa “precisa ser feita a partir de um ponto de vista hermenêutico”... Não bastasse, completa: “o direito penal contemporâneo é uma ferramenta metodológica fundamental para isso”.
Qual a relação entre “investigação sobre formação histórica”, “ponto de vista hermenêutico” e “direito penal contemporâneo como ferramenta metodológica fundamental”? Como o direito penal contemporâneo pode ser uma ferramenta metodológica? Usarei direito penal contemporâneo como ferramenta metodológica para desenvolver meu trabalho. Desconheço essa ferramenta metodológica denominada direito penal contemporâneo.
As confusões metodológicas, porém, não param por ai...
Na Fl. 09, Mafei diz que a designada pesquisa “exige algum detalhamento metodológico, como também o exigem seus objetos e hipóteses”.
Onde está o detalhamento dos objetos? Onde está o detalhamento das hipóteses?
No que tange às hipóteses, talvez implícitas em algumas interrogações soltas ao longo do trabalho, não se percebe, claramente, tal detalhamento. Para se ter uma idéia, o candidato só retoma mais detidamente as suas denominadas hipóteses, de modo mais nítido, nas Fls. 340 e 341.
O problema metodológico mais latente, entretanto, certamente se relaciona a ausência de clareza quanto aos assim chamados objetos?
Qual o objeto do trabalho? Quais os objetos do trabalho? Eles não foram detalhados.
1. O objeto do trabalho, como parece sugerir o tema, é a teoria penal de Feuerbach e os juristas brasileiros do século XIX? Melhor perguntando: seria talvez a influência da teoria penal de Feuerbach nos juristas brasileiros do século XIX?
2. Ou o objeto seria “a construção do direito penal contemporâneo na obra de Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas do Brasil”?
Note-se que uma coisa é a influência de teoria penal de Feuerbach no pensamento dos juristas brasileiros do século XIX outra coisa bem diferente é a construção do direito penal contemporâneo na obra de Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas do Brasil.
Ao ler o trabalho, contudo, fiquei pensando que o objeto talvez não seja necessariamente esse... talvez o objeto fosse
3. “a evolução do direito penal como disciplina autônoma”... suas origens européias e sua recepção no Brasil... ou algo similar a isso...
A complicação metodológica é tamanha que, talvez, se poderia tentar compreender como uma miscelânea disparatada de objetos sem precisão metodológica.
Porém, na fl. 351, ele fala em “objeto teórico-jurídico”, isto é, objeto no singular, e diz que a pesquisa teve por tema “a análise histórica da formação do direito penal contemporâneo”.
No trabalho de Mafei, há objetos (como mencionado na fl. 09) ou há objeto (como mencionado na fl 351)?
Se há objeto, qual é?
Fique claro que uma coisa é “a evolução do direito penal como disciplina autônoma” ou coisa é “a análise histórica da formação do direito penal contemporâneo”. Num, falamos matéria direito penal, noutro, falamos de um âmbito específico do direito.
O candidato ainda apresenta uma perspectiva... denominada por ele de “metodológica”... que ele chama de “desnaturalização” (Fl. 352) “Essa pesquisa pode ser vista como um mesmo trabalho de desnaturalização”... o que é um trabalho de desnaturalização?
Não bastasse, o estudo não parece ter objetivos evidentes. O propósito do trabalho só é mencionado, de maneira mais enfática, na fl. 352 e, mesmo assim, não me pareceu muito nítido. Gostaria de saber quais são os objetivos do estudo dele.
O que ele pretendia ao escrever essas folhas?
Haveria muitas outras indagações relacionadas às diversas deficiências metodológicas, mas passo de imediato a algumas breves questões pontuais que o trabalho me suscitou:

3. Perguntas suscitadas pela leitura do trabalho

Fl. 11 Mafei diz que: “Ao menos desde Hart, a teoria jurídica tem enfatizado a importância das regras para a constituição do campo teórico do direito e o seu papel constitutivo em relação a muitas instituições sociais,...” Será que é mesmo “desde Hart”?
Fl. 12 Mafei diz que: “os juristas não enxergam doutrinas jurídicas como mera expressão de opiniões em sentido fraco, mas sim como postulações de caráter normativo,...” será que colocar todos os juristas nessa vala comum não se afigura como uma generalização apressada?
Na Fl. 219, Mafei cita uma interessante passagem de Venâncio Filho de que “ser estudante de Direito era (no Brasil do século XIX), pois, sobretudo, dedicar-se ao jornalismo, fazer literatura, especialmente a poesia, consagra-se ao teatro, ser bom orador, participar dos grêmios literários e políticos, das sociedades secretas e das lojas maçônicas”.
1. Será que Mafei entende isso como algo ruim?
2. Atualmente, o que é ser estudante de Direito no Brasil?
Na fl. 303, Mafei menciona que “não foi possível encontrar quaisquer informações biográficas sobre Manoel Mendes da Cunha Azevedo”. Demonstrando certa dubiedade, diz que é possível “inferir que ele exercia sua atividade profissional no Nordeste”, uma vez que suas obras “foram publicadas em Recife (fl. 304) (As duas primeiras obras do Professor Ari Solon, por exemplo, foram publicadas em Porto Alegre... se o nome dele, algum dia, for digno de figurar na história jurídica do Brasil... deverá ser reputado gaúcho...?!). Primeiro, não demonstra muita certeza em relação a tal fato. Segundo, fala em exercício da atividade profissional no Nordeste, mas não faz ilações em relação ao fato de ele ter nascido lá ou, ao longo da vida, lá se constituído. Aliás, vai além e acentua ainda mais a dúvida: “Na história da Faculdade de Direito pernambucana escrita por Clóvis Beviláqua, seu nome não aparece entre os bacharéis; e nas memórias da faculdade paulista escritas por Spencer Vampré, tampouco ele consta entre os formados até 1900” (Fl. 304).
No parágrafo seguinte (fl. 304), entretanto, para minha total surpresa, Mafei vaticina “Bezerra Montenegro, conterrâneo de Azevedo”... Uai! Se ele afirma, no parágrafo anterior, que “não foi possível encontrar quaisquer informações biográficas sobre Manoel Mendes da Cunha Azevedo”, isto é, que não encontrou registros sobre sua formação, como, repentinamente, afirma, sem titubeios, que ele é conterrâneo de Bezerra Montenegro.
Qual a terra de ambos?
E Mafei insiste, novamente, na fl. 306, “seu conterrâneo e contemporâneo”. Ou ele não sabe informações biográficas e, portanto, não sabe a terra do Manoel Mendes da Cunha Azevedo ou sabe e, portanto, pode reputá-lo conterrâneo do Bezerra Montenegro.
Tal questão pode parecer filigrana... todavia, alguém pode entender que o trabalho se situe entre os de história jurídica e tal informação não ficaria bem em um trabalho que se pretende de história do direito.
Na fl. 330, Mafei fala em “um direito penal... quase barroco”.
O que é um direito penal quase barroco? Qual a diferença entre um direito penal quase barroco e um direito penal barroco? Qual a distinção entre um direito penal quase barroco e um direito penal não barroco? Como se mensura a “borrocidade” ou “barroquidade” do direito penal?

4. A tese em si

Após ler as 364 folhas da doxografia em comento, restaram-me algumas sensações:
1. Esboço de investigação só pode ser notado após a fl. 216. Talvez, melhor seria ter começado o trabalho desse ponto. Antes, o que se percebeu foram fichamentos autorais e de comentadores... uma ou outra singela impressão... nada além de meras compilações de leitura... da fl. 216 para frente, começa-se a notar a tentativa de empreender um estudo mais pesquisado.
2. Quem sabe o título mais corajoso, uma vez seguido tal conselho fosse: “Evolução do Direito Penal como disciplina autônoma no Brasil”.
Ao longo da leitura, folha por folha, uma pergunta restou subjacente e, talvez, apenas ela mereça ser efetivamente respondida:

QUAL A TESE de Mafei?.... QUAL A TESE?

Patifaria.

Na última semana, estive em São Paulo. Fui acompanhar o concurso de cátedra para Filosofia e Teria Geral do Direito da USP. Tratava-se da cadeira vacante em razão da aposentadoria compulsória do Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Concorriam os Professores Ari Marcelo Solon e José Reinaldo de Lima Lopes.

Assisti todo o concurso. Fui orientando do Professor Ari e minha análise pode estar enviesada.

O José Reinaldo reunia todas as condições para se tornar professor titular. É bom professor. Tem produção acadêmica interessante. Possui preparo intelectual.

José Reinaldo possuía as características que o credenciariam ao posto pleiteado. Não é contra isso que me indigno.

O que assisti foi vergonhoso. Patifaria! Patifaria! Patifaria!

A aula de erudição do Professor Ari foi muito superior à de José Reinaldo.

A aula de erudição de José Reinaldo mais parecia um seminário de monitor inseguro. Ele lia citações e fazia paráfrases. Poucas vezes, falou a palavra direito. O termo mais usado por ele foi linguagem. Falou de costas para aqueles que o assistiam. Acabrunhado, sem vigor no que afirmava.

A aula de erudição do Professor Ari, aplaudida ao final, foi uma verdadeira aula de cátedra. Falou voltado para o público com amplo domínio do assunto. Sua fala era vívida, fulgurosa. Baseada em casos em que ele atuou como advogado, no STF, perpassou o pensamento filosófico e jurídico ocidental sem descuidar de relacioná-los às insurreições brasileiras de junho. Ele analisou trechos em cinco idiomas (alemão, inglês, francês, grego e hebraico). Alguns citados de cor na língua original.

A disparidade nas notas, na prova de erudição [Zé Reinaldo: 10/10/10/9,7/10; Ari: 10/8,0/9,0/8,0/7,0], revelou, claramente, a patifaria. Poderia analisar as notas de outros pontos. Mas quem estava lá presenciou a patifaria em relação à aula de erudição. Se houve clara patifaria nesse ponto, não merece análise a patifaria restante.

A banca foi nitidamente armada. Demonstraram isso nas perguntas, nas arguições e, sobretudo, nas expressões faciais. Eles poderiam até esconder a patifaria, uma vez que José Reinaldo reunia as condições de ser titular.

A vitória de José Reinaldo seria perfeitamente viável sem a patifaria. O que se viu, porém, foi a necessidade deliberada de deixar a patifaria escancarada.

O inconsciente de Faria talvez revele melhor que qualquer frase minha a patifaria... disse ele: "ao serem proclamadas as notas e o resultado desse concurso, espero que não joguem marmelo na banca".

domingo, 16 de junho de 2013

Insurreição dos vinte centavos e deviniência


"Sei, de, mais tarde, me dizerem: que tudo tinha e tomava o forte, belo sentido, esse drama do agora, desconhecido, estúrdio, de todos o mais bonito, que nunca houve, ninguém escreveu, não se podendo representar outra vez, e nunca mais. Eu via os do público assungados, gostando (...). Eu via - que a gente era outros - cada um de nós, transformado. (...) A coisa que aconteceu no meio da hora. Foi no ímpeto da glória - foi - sem combinação. Ressoaram outras muitas palmas." (Guimarães Rosa, Pirlimpsiquice)

Em 1973, Raul Seixas lançou seu primeiro álbum, Krig-ha, Bandolo!. O título se referia a um grito de guerra do personagem Tarzan, conhecido à época nas revistas em quadrinhos da EBAL. Significa “Cuidado, aí vem o inimigo!”. [Elton Frans, redação de Roberto Murcia Moura, Raul Seixas: a história que não foi contada, Irmãos Vitale, 2000. p. 103.]

Na terceira faixa do disco Krig-ha, Bandolo!, Metamorfose Ambulante. “Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. 

Aquela velha opinião formada sobre tudo não compreenderá a insurreição dos vinte centavos que, aliás, nem é sobre vinte centavos.

Aquela velha opinião formada sobre tudo reclamará da ausência de líderes, onde todos lideram. Falará em falta de foco, onde o agir é multifocável. Criticará a mistura de causas e bandeiras por ser incapaz de compreender a transversalidade de propósitos e a diversificação de ideias em processos de ininterruptas elaborações.

Aquela velha opinião formada sobre tudo tentará identificar partidos, associações, movimentos sociais organizados por trás do movimento, pois não conseguirá perceber o movimento em movimento do movimento pelo movimento.

Aquela velha opinião formada sobre tudo não verá que o movimento representa a ultrapassagem de sua forma de visão, de identificação, de estigmatização, de rotulação.

Aquela velha opinião formada sobre tudo dirá que o movimento não tem uma opinião formada, justamente por não conseguir enxergar opiniões em formação, em contínua construção coletiva.

Aquela velha opinião formada sobre tudo sustentará que não há um ponto em comum que nos une, pois não assimilará que somos o ponto comum da união de diversos pontos que se interconectam formando redes lançadas por navegantes de mares nunca dantes navegados.

Há realidades em ininterruptas transformações, concebíveis como processos. Regeneram-se incessantemente e se caracterizam pelo contínuo devir: devêm. Nesses casos, realizar-se corresponderá a atualizar-se. Realidades em sucessões transitórias são realidades devinientes.

O movimento vivenciado por nós se afigura como realidade deviniente. Realiza-se ao se reatualizar. Deve ser percebido em permanente alteração: ao vir-a-ser, nunca é, senão sendo.

A metamorfose ambulante é a marca do movimento, vivifica-o e lhe confere novas formas, expressando seu desencadear dinâmico em processos interpretativos confusos e complexos, mas repletos de fulgor e poesia.

Embora à primeira vista possam parecer desorientadores, os rumos de nosso movimento apresentam-se em condições de ser explorados destemidamente, porém impõe frequentes alterações de rotas.

O caminho a ser proposto em nada recorda mapas. Será aprendido caminhando, revelando-se após os primeiros passos. Sem buscar atalhos, suas sendas merecem ser percorridas com atenção, vivenciando-se veredas políticas vitais.

Deviação: insurreição adentro.

sábado, 18 de maio de 2013

Há controle sobre as decisões judiciais?


Há diversos experimentos a demonstrar o transracionalismo decisório, mas, nos cursos de Direito, grande parte dos professores segue ensinando, sem constrangimentos, o racionalismo decisório.

Dan Ariely, professor de economia comportamental da Universidade Duke e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), é autor de Previsivelmente Irracional. Ariely afirma que as decisões que as pessoas tomam - mesmo as mais milimetricamente calculadas - são contaminadas por sentimentos ou influências imperceptíveis. E essas decisões costumam ser tomadas sem racionalidade.

Sem perceber, os indivíduos, frequentemente, deixam de usar a razão. Isso acontece porque as decisões humanas são guiadas por fatores que passam despercebidos pelo cérebro. É possível estimular as pessoas a ver a realidade de um jeito distorcido - e elas acharão que estão vendo tudo da forma mais lógica possível.

Se uma pessoa é estimulada a adotar certa perspectiva, ela pode acabar percebendo o mundo de forma diferente - o que se reflete em suas decisões. Um exemplo: alunos do MIT foram reunidos para fazer uma prova de matemática. Eles tinham 5 minutos para resolver vários problemas. Ao fim do tempo, deveriam rasgar a prova, dizer quantas questões haviam feito e ganhar dinheiro por elas.

O resultado: vários alunos mentiram, porque sabiam que não seriam pegos. Mas, num dos testes seguintes, os alunos tiveram de jurar sobre a Bíblia que não iam enganar os pesquisadores. E eles não mentiram - nem mesmo os ateus. Ou seja, não tiraram uma conclusão em função dos benefícios do dinheiro e do risco de serem pegos. O raciocínio deles foi orientado pela moral, e isso inclui aqueles que supostamente nem acreditam na Bíblia.