domingo, 6 de outubro de 2013

Existe racionalismo decisório no direito?

diversos experimentos a demonstrar a ausência de racionalismo decisório, mas, nos cursos de Direito, grande parte dos professores segue ensinando, sem constrangimentos, o racionalismo decisório. 

Dan Ariely, professor de economia comportamental da Universidade Duke e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), é autor de Previsivelmente Irracional. Ariely afirma que as decisões que as pessoas tomam - mesmo as mais milimetricamente calculadas - são contaminadas por sentimentos ou influências imperceptíveis. E essas decisões costumam ser tomadas sem qualquer racionalidade.

Sem perceber, os indivíduos, frequentemente, deixam de usar a razão. Isso acontece porque as decisões humanas são guiadas por fatores que passam despercebidos pelo cérebro. É possível estimular as pessoas a ver a realidade de um jeito distorcido - e elas acharão que estão vendo tudo da forma mais lógica possível. 

Se uma pessoa é estimulada a adotar certa perspectiva, ela pode acabar percebendo o mundo de forma diferente - o que se reflete em suas decisões. Um exemplo: alunos do MIT foram reunidos para fazer uma prova de matemática. Eles tinham 5 minutos para resolver vários problemas. Ao fim do tempo, deveriam rasgar a prova, dizer quantas questões haviam feito e ganhar dinheiro por elas. 

O resultado: vários alunos mentiram, porque sabiam que não seriam pegos. Mas, num dos testes seguintes, os alunos tiveram de jurar sobre a Bíblia que não iam enganar os pesquisadores. E eles não mentiram - nem mesmo os ateus. Ou seja, não tiraram uma conclusão em função dos benefícios do dinheiro e do risco de serem pegos. O raciocínio deles foi orientado pela moral, e isso inclui aqueles que supostamente nem acreditam na Bíblia.

É difícil entender por qual razão, a cada dia que passa, ganha mais força, nas faculdades de Direito, as teorias que apregoam o racionalismo decisório.

A tomada de decisões envolve questões que, não raro, passam desapercebidas. Recentemente, um estudo sobre o "viés de ancoragem" testou se tal viés afetaria a decisão de juízes experientes.

Os resultados mostram-se, no mínimo, inquietantes.

O estudo selecionou 52 juízes alemães, com média de 27 anos de idade e lhes expôs um caso criminal em que a ladra havia furtado itens de um supermercado pela 12ª vez.

Os juízes deveriam, antes de cominar a pena, lançar dois dados que lhes foram entregues com o objetivo de determinar qual seria a pena requisitada pelo promotor. Os dados entregues eram viciados e, por isso, a soma sempre correspondia a 3 ou 9. Após visualizar os resultados, os juízes realizavam o cálculo da pena.

A análise dos resultados demonstrou que a pena sugerida pelos juízes estava ancorada nos números que apareciam nos dados, embora acreditassem, piamente, na racionalidade de suas decisões. Os juízes em que o par de dados teve como resultado 9 cominaram, em média, uma pena de 8 meses. Os juízes cujos dados tiveram como resultado 3, alcançaram, em média, a pena de 5 meses. O “viés de ancoragem” foi de 50%.

A influência do inconsciente sobre o cálculo da pena também deveria impressionar os defensores do racionalismo decisório.  Estudos sobre a influência do recebimento de seguro concedido à vítima e a punição dada aos criminosos trazem resultados interessantes.

Em um dos testes realizados durante a pesquisa, 29 estudantes universitários com idade média de 19 anos foram questionados sobre qual seria a pena de um criminoso pelo roubo de uma câmera. Os universitários foram divididos em dois grupos para analisar o caso, sendo que, no caso entregue a um dos grupos, a câmera era segurada contra roubo, o que garantia o recebimento de novo aparelho pela vítima do roubo. 

Cada um dos participantes do grupo deveria escolher o número de dias de serviço comunitário, mínimo de 1 e máximo de 20, que corresponderia à pena do ladrão. Os resultados demonstraram que os estudantes expostos ao caso da câmera segurada tendiam a punir o ladrão menos severamente (média de 9 dias) em comparação àqueles expostos à câmera sem seguro (média de 13 dias) de serviço comunitário. Esses dados demonstram que, apesar de o bem furtado ter sido o mesmo, a mente humana é condicionada a dar maior valor ao bem sem seguro, agindo esta garantia, embora seja um fator independente da vontade do ladrão, como um elemento amenizador de sua pena.

Em outro experimento, os autores reuniram 113 estudantes universitários, com média de 20 anos, para determinar qual seria a opinião sobre a influência do seguro no cálculo da pena. Os universitários foram divididos em três grupos para analisar o caso: um em que havia seguro envolvido, um sem seguro e outro em que eles eram expostos a ambas as situações. 

Neste teste, o caso se referia à batida de carro, ficando o carro da vítima danificado enquanto o automóvel do responsável pelo acidente não sofreu avarias. O autor fugiu do local mas, algum tempo depois, foi preso pelo ilícito cometido. No entanto, no período entre os acontecimentos, o veículo foi totalmente reparado. Os indivíduos teriam então que aplicar pena de serviços comunitários entre 1 e 20 dias ao autor.

Cada um dos indivíduos que analisou apenas uma das situações foi questionado se puniria o autor de forma diferente com base no seguro. Os resultados demonstraram que 81% destes universitários consideram que o seguro não deve interferir na pena. Quanto aos estudantes que analisaram ambas as situações, 79% fixou penas iguais nos dois casos. Estes dados refletem a crença de que crimes iguais devem ser tratados de forma igual, independente de seguro. No entanto, a mente humana está condicionada a punir mais severamente os crimes quando não há seguro, fato comprovado pela média das penas cominadas ao mesmo crime pelos grupos que analisaram apenas uma das situações, sendo de 6 dias em caso de existência de seguro e 8 em caso de sua ausência.

Interpretação Jurídica

Os julgadores não interpretam regras, senão relatos e argumentos. Regras são vieses de ancoragem na tomada de decisão (tanto para o agir, quanto para julgar).

O direito não se mostra como relações comportamentais segundo regras. O grande dilema do direito não aparece como problema normativo, mas como problema interpretativo. Regras idênticas podem descortinar ações, hermeneuticamente mediadas, diversas. E como ações idênticas são diversamente relatadas e ensejam argumentos díspares, decidir se torna inevitável. 

Por outro lado, não há controle sobre o conteúdo decisório, nem mesmo quando se está diante do mesmo julgador. 

Levantamento feito pelo Judiciário mostra que 60% dos magistrados levam em conta aspectos sociais e econômicos nas decisões. Apenas 19% não adotam esses critérios. 

O que é julgar? O que se passa na mente do julgador ao decidir algo? Indagações como essas são da mais alta relevância para aqueles que lidam com o direito. Os estudos jurídicos precisam atentar para o que os juízes consideram ao decidir uma demanda e para os principais aspectos orientadores de suas escolhas. [Weber, Elke U. Johnson, Eric J. Mindful Judgment and Decision Making. The Annual Review of Psychology, v.60, 2009, pp. 53-85.] 

Aquele que julga, ao impor a sua decisão a um terceiro, faz uso dos mais diversos critérios possíveis. [Harvey, Nigel, Twyman, Matt e Harries, Clare. Making Decisions for Other People: The Problem of Judging Acceptable Levels of Risk. Forum Qualitative Social Research: Volume 7, No. 1, Art. 26 January 2006, pp. 2 e 3.] 

Dificilmente juízes diriam que julgam sem levar em conta os balizadores legais. Os dados do anuário, por outro lado, mostram que seis em cada dez membros do Judiciário consideram aspectos sociais, econômicos e de governabilidade. 

Entre os setenta e cinco ministros ouvidos na pesquisa, quarenta e seis responderam que observam aspectos sociais e econômicos em seus julgamentos. Quatorze disseram decidir tecnicamente e somente com base nas leis e outros quinze não se manifestaram.

Ao julgar, os juízes costumam ter uma visão conjuntural ou observam unicamente a legislação vigente? Ao apreciar uma demanda, levam em consideração o contexto, os fatos, a repercussão? Fazem isso balizados pela legislação? [Um estudo conduzido em universidades alemãs demonstrou que, diante da possibilidade de uma revisão da sua escolha, as pessoas tendem a procurar resultados mais rápidos, que maximizem os seus ganhos imediatos – sem ponderar acerca das consequências a terceiros. É, novamente, uma atuação pura do sistema de recompensas em ação, o que se estudará neste capítulo. Quando os participantes tinham, por outro lado, o seu poder de escolha reduzido – ou seja, a decisão que tomassem não poderia ser revista ou alterada – percebeu-se maior racionalidade e a incidência de constrições morais, religiosas e legais. Para o que interessa aqui, é importante ter em mente que a possibilidade de recurso judicial a instâncias superiores desencadeia, de certa forma, tanto para o juiz como para as partes afetadas pela sua decisão, o primeiro mecanismo, e não o segundo. [Felser, Georg. „‘Du kannst es dir ja nochmal überlegen‘ – Warum uns reversible Entscheidungen nicht zufriedener machen”. Journal of business and media psychology, Ausgabe 2, 2012, pp. 2 e 9.]

Juízes não "aplicam" textos legislativos. Trata-se de noção distorcida. Os julgadores decidem demandas (interpretando relatos e argumentos contidos nos autos processuais e nas intervenções orais), possivelmente, orientados por textos legislativos. 

A legislação aparece, portanto, apenas como um viés de ancoragem da interpretação dos relatos e dos argumentos.

O juiz interpreta o texto escrito pelos advogados e o texto verbalizado nas intervenções orais.

A invocação do texto legal é argumentativa. Poder-se-ia invocar, por exemplo, que uma decisão ancorada estritamente no texto legislativo constitucional (exemplo: concessão de habeas corpus para estrangeiro não residente no Brasil) seria inconstitucional. Esse argumento tem valor similar ao que postula o ancoramento estrito no texto legal constitucional.

Texto: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade ...

Decisão: “o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado” (STF, HC 94016 MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 7/4/2008).

A questão central da hermenêutica jurídica é decidir a demanda, isto é, interpretar os relatos e os argumentos trazidos pelas partes; decidir se o estrangeiro não residente no Brasil merece ter seu direito de ir vir assegurado por meio de habeas corpus e não se o caput do art. 5º da legislação constitucional ampara ou não essa pretensão do demandante.

O jurista interpreta relatos de algo já passado ou relatos meramente imaginários.

Conforme o § 1º, do artigo 71, da Lei das Licitações (Lei 8.666/1993), a administração pública não responde pela inadimplência da empresa contratada com relação a encargos trabalhistas. [Entendimento firmado pelo STF na ADC 16]. Por outro lado, na análise dos autos da Reclamação (RCL) 15052, ficou configurada a culpa da administração do Estado de Rondônia na fiscalização do contrato. Havia cláusula contratual que condicionava repasse de recursos públicos à empresa contratada à comprovação da regularidade da situação trabalhista, o que não foi feito.

O processo hermenêutico jurídico poderia corresponder àquilo que Gerald Edelman denomina imagens mentais condicionadas a certo tempo em torno do presente mensurável, isenta de conceitos de eu, de passado e do futuro e situada para além do registro descritivo individual direto a partir do seu ponto de vista?

A consciência elaborada envolveria o reconhecimento por um sujeito pensante, dos seus próprios atos ou afetos, um modelo do que é pessoal e do passado e do futuro, tal como presente?

Os seres humanos possuem um consciente para além da consciência primária? 

Em caso afirmativo, a hermenêutica jurídica talvez encontre uma contribuição interessante nos pressupostos físico, evolutivo e dos qualia, conforme classificação edelmaniana. 

No pressuposto físico, ter-se-ia a base adequada, porém ainda insuficiente para explicar integralmente a consciência. 

O pressuposto evolutivo corresponderia à aquisição da consciência, donde adviria a capacidade de adaptação evolutiva aos indivíduos que a possuem, ou forneceria a base para outros traços que aumentam a capacidade de adaptação. 

A compreensão do pressuposto dos qualia depende de se entender, anteriormente, o que seria qualia. Qualia equivalem a um plexo de experiências, sentimentos e sensações pessoais ou subjetivas que acompanham o estar consciente. Eles não podem ser completamente partilhados por outro indivíduo. 

Esse pressuposto dos qualia estabelece a distinção entre a consciência elaborada da primária. 

A hermenêutica jurídica afigura-se como expressão da consciência elaborada ou primária?

sábado, 5 de outubro de 2013

Eu escrevo com dificuldade.

"Eu escrevo com dificuldade. Mas, a mim, não me irrita só escrever com dificuldade. Se, um dia, eu escrever com facilidade deixarei de escrever de vez. A facilidade não leva a nada. Ainda que, de repente, baixar o Espírito Santo e eu começar a escrever com facilidade, espero ter a coragem de deixar." João Cabral de Melo Neto

Juiz não existe para acertar ou errar. Existe para julgar demandas.

Não há racionalizômetros. Ademais, o que é racional para um julgador pode não ser para o outro. E assim por diante... Como se mede a racionalidade de uma decisão jurídica? Racionalizômetro? Quem pode determinar o que é racional ou não racional? Como se mede o "senso comum do que seria razoável"? 

Determinação do direito para resolver demandas jurídicas ultrapassa a razão. Direito expressa-se transracionalmente. 

Juiz não existe para acertar ou errar. Existe para julgar demandas. Determinar o direito para elas. Decidir juridicamente casos ajuizados. Há errômetro ou acertômetro judiciário? Ou alguém com poderes para determinar o que é erro ou acerto judicial?

Não há aplicação do direito. Não há direito a priori a ser aplicado. O direito se afigura como construção hermenêutica em contínua mutação. Juízes não aplicam direito. Julgam demandas. Determinam o direito por meio do processo hermenêutico deviniente. Médicos aplicam vacinas. Juízes julgam demandas. Determinam direito para uma demanda como expressão de processos interpretativos dinâmicos.

Momento em que não se consegue crescer sem trabalho árduo

"quando se tem um verdadeiro talento, consegue-se evoluir usando apenas o talento natural, sem muito esforço. Mais tarde chega o momento em que não se consegue crescer sem trabalho árduo”. Evgeny Kissin

Quando pronuncio a palavra Futuro

"Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe no que ainda não existe." 

Wisława Szymborska

Pertencimento

Pertencimento

Sei que nada me pertence
além do pensamento, que vence
minha alma e dela escorre
a alegria de cada momento
que de um destino de alento
e do abismo me socorre

Goethe

De um mineiro pacato e pacífico

De um mineiro pacato e pacífico:

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.

Um homem plural

"O que advogo é um homem plural, munido de um idioma plural. Ao lado de uma língua que nos faça ser mundo, deve coexistir uma outra que nos faça sair do mundo. De um lado, um idioma que nos crie raiz e lugar. De outro, um idioma que nos faça ser asa e viagem." Mia Couto

Do Direito Que conosco nasceu, ninguém cogita.

"(...) Dessa ciência
O estado conheço. Leis, direitos,
Como eterna moléstia se transmitem,
De geração em geração se arrastam,
De lugar em lugar. Vem a ser erro
O que já foi verdade, em dom funesto
Se torna o benefício, e és desgraçado
Porque tarde viestes! Do Direito
Que conosco nasceu, ninguém cogita." Goethe

Neutralidade e Injustiça

“Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor”. Desmond Tutu