domingo, 30 de junho de 2013

A pior "tese" que já li.


22.05.09

Relatório de análise da "tese" de doutorado de Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Título: A teoria penal de P. J. A. Feuerbach e os juristas brasileiros do século XIX: a construção do direito penal contemporâneo na obra de P. J. A. Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas do Brasil.

Dividirei a análise do trabalho em quatro perspectivas:
1. relacionada à forma
2. relacionada à metodologia
3. relacionada à questões que a leitura do trabalho suscita
4. relacionada à tese em si

1. No que tange à forma:

Atualmente, examinar questões formais perdeu importância. É até razoável que isso tenha acontecido. Afinal, ater-se às formalidades em detrimento de outros pontos mais relevantes de um trabalho acadêmico pode se afigurar como mera perda de tempo. Porém, no caso da doxografia de Mafei, os erros formais são de tal monta que configuraria enorme displicência deixá-los totalmente de lado.
Necessário mencionar que é difícil encontrar uma folha no escrito dele que não possua erros formais.
Inumeráveis são os erros de digitação. Seria laudatório apontar todos. Exemplifico, por meio de um panorama geral, o que estou a mencionar:
Fl. 06 – falta um “a” em disciplina
Fl. 08 – falta um “o” em como
Fl. 43 - Faltou um “s” em distintas teorias
Fl. 86 - “a esse ato” e não “ao esse ato”
Fl. 102 há mais de um problema falta um “s” em “mesmas”... “pelas mesmas linhas gerais”... falta um “de” em “vontade de alguém”.
Fl. 121 falta um “r” em poder agir
Na Fl. 130 há um “em” a mais “em ordenamentos” e na Fl. 133 há um “a” a mais em “a grande”
Na Fl. 157 há um erro curioso, uma vez que se repete na Fl. 174 “entre das duas”... não seria “entre as duas”?...
Fl. 216 falta um “s” em grande... “as grandes linhas”
Fl. 340 há um “de” a mais em “tese de direito penal”
Fl. 344 “ele” e não “elel”
Friso que essas menções não são exaustivas. Há exemplos de erros como esses em quase todas as folhas do trabalho.
Nas notas de pé de páginas, nota-se, igualmente, a ausência de revisão apropriada:
Fl. 33, nota 22: “As leis régias eram tentavam esvaziar”... o “eram” está sobrando aí...
Fl. 50 – nota 38 “Escolhi eleger”... parece-me um pleonasmo vicioso... uma redundância desnecessária.
Fl. 230, nota 306: “relação ao às idéias”... há um “ao” sobrando aí...
A falta de cuidado não se revela apenas no que tange à língua portuguesa. Nos demais idiomas o problema se repete. Foco no alemão, mas poderia citar exemplos nos demais idiomas. Friso, apenas, palavras elementares de tal idioma e de familiaridade de juristas, pois, se fosse me ocupar dos erros em língua germânica encontrados nesse trabalho, passaria dias a digitá-los, eis os exemplos:
Fl. 37 Há um “r” a mais em “Bundesverfassungsgericht”... Mafei escreveu „BundesverfassungsgeRrichts“
Na Fl. 102, nota 113, até a clássica palavra direito (Recht) aparece com grafia errada Rechst... o “t” deveria vir antes do “s”.
Há, ainda, erros mais graves. Digo mais graves porque não se trata de deslizes relacionados à digitação ou mera distração, mas de erros elementares de língua portuguesa. Para não restar cansativo e não me ocupar demasiadamente com aspectos formais do estudo, demonstro apenas os que reputei de maior gravidade:
Na Fl. 125, o candidato escreve algo pouco escusável até na língua falada: “que mandam ele evitar”...
No final da Fl. 304, há erro relacionado à pontuação “é correto dizer que, (vírgula... faltou a vírgula), na cultura jurídica da primeira metade do século XIX, o código de 1830...”
Há diversos problemas de concordância pronominal, sobretudo, em relação às próclises, exemplo, Fl. 193 “que se referia” e não “que referia-se”... o “que” atrai o “se”...
Fl. 225 “a saída foi não se restringir” e não “a saída foi não restringir-se”... a partícula negativa “não” também atrai o “se”.
Creio que já me ocupei em demasia com problemas formais. Talvez, nem fosse o caso. Mas esses exemplos são mínimos ante a quantidade de erros de toda sorte presentes no trabalho. Urge revisão atenta e cuidadosa.

2. No que tange à metodologia

O sumário não está justificado e foi disposto de modo embolado... Não bastasse, só há referência das páginas dos títulos, mas os subtítulos não estão referidos... dificultando, sobremodo, o exame da obra. O sumário precisa ser refeito, para permitir exame mais adequado do trabalho.
Na. Fl. 09, Mafei fala em justificativas, mas não demonstra, de modo claro, quais os motivos justificam o desenvolvimento do seu trabalho. A relevância do trabalho vem timidamente justificada apenas na Fl. 358 [seis folhas do fim do trabalho]. No início do trabalho, ele não deixa nítidas as razões para justificar a importância de sua pesquisa, acaba o fazendo quase na derradeira folha.
Ao ler, na Fl. 06, que “a ideia central da investigação é explicitar o sentido normativo por trás de duas etapas históricas da formação do direito penal contemporâneo” fiquei na expectativa de que tal seria a perspectiva norteadora do trabalho, porém, na designada pergunta metodológica da investigação (Fl. 14), o “normativo”, em um passe de mágica, desaparece, senão, observe-se: “qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal contemporâneo e como eles refletem na dogmática penal brasileira do século XIX?”
Qual é o problema a ser resolvido pela pesquisa? É explicitar o sentido normativo por trás de duas etapas históricas de formação do direito penal contemporâneo? Ou responder “qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal contemporâneo”?
Uma coisa “é explicitar o sentido normativo por trás de duas etapas históricas de formação do direito penal contemporâneo”; outra coisa é procurar responder “qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal contemporâneo”. No primeiro caso, estar-se-ia próximo à metodologia de um trabalho de dogmática jurídica. No segundo caso, estar-se-ia em torno de uma metodologia relacionada a uma investigação histórica.
Na Fl. 20, parece que Mafei fará, efetivamente, “uma investigação sobre a formação histórica de uma disciplina...” entretanto, menciona que tal pesquisa “precisa ser feita a partir de um ponto de vista hermenêutico”... Não bastasse, completa: “o direito penal contemporâneo é uma ferramenta metodológica fundamental para isso”.
Qual a relação entre “investigação sobre formação histórica”, “ponto de vista hermenêutico” e “direito penal contemporâneo como ferramenta metodológica fundamental”? Como o direito penal contemporâneo pode ser uma ferramenta metodológica? Usarei direito penal contemporâneo como ferramenta metodológica para desenvolver meu trabalho. Desconheço essa ferramenta metodológica denominada direito penal contemporâneo.
As confusões metodológicas, porém, não param por ai...
Na Fl. 09, Mafei diz que a designada pesquisa “exige algum detalhamento metodológico, como também o exigem seus objetos e hipóteses”.
Onde está o detalhamento dos objetos? Onde está o detalhamento das hipóteses?
No que tange às hipóteses, talvez implícitas em algumas interrogações soltas ao longo do trabalho, não se percebe, claramente, tal detalhamento. Para se ter uma idéia, o candidato só retoma mais detidamente as suas denominadas hipóteses, de modo mais nítido, nas Fls. 340 e 341.
O problema metodológico mais latente, entretanto, certamente se relaciona a ausência de clareza quanto aos assim chamados objetos?
Qual o objeto do trabalho? Quais os objetos do trabalho? Eles não foram detalhados.
1. O objeto do trabalho, como parece sugerir o tema, é a teoria penal de Feuerbach e os juristas brasileiros do século XIX? Melhor perguntando: seria talvez a influência da teoria penal de Feuerbach nos juristas brasileiros do século XIX?
2. Ou o objeto seria “a construção do direito penal contemporâneo na obra de Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas do Brasil”?
Note-se que uma coisa é a influência de teoria penal de Feuerbach no pensamento dos juristas brasileiros do século XIX outra coisa bem diferente é a construção do direito penal contemporâneo na obra de Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas do Brasil.
Ao ler o trabalho, contudo, fiquei pensando que o objeto talvez não seja necessariamente esse... talvez o objeto fosse
3. “a evolução do direito penal como disciplina autônoma”... suas origens européias e sua recepção no Brasil... ou algo similar a isso...
A complicação metodológica é tamanha que, talvez, se poderia tentar compreender como uma miscelânea disparatada de objetos sem precisão metodológica.
Porém, na fl. 351, ele fala em “objeto teórico-jurídico”, isto é, objeto no singular, e diz que a pesquisa teve por tema “a análise histórica da formação do direito penal contemporâneo”.
No trabalho de Mafei, há objetos (como mencionado na fl. 09) ou há objeto (como mencionado na fl 351)?
Se há objeto, qual é?
Fique claro que uma coisa é “a evolução do direito penal como disciplina autônoma” ou coisa é “a análise histórica da formação do direito penal contemporâneo”. Num, falamos matéria direito penal, noutro, falamos de um âmbito específico do direito.
O candidato ainda apresenta uma perspectiva... denominada por ele de “metodológica”... que ele chama de “desnaturalização” (Fl. 352) “Essa pesquisa pode ser vista como um mesmo trabalho de desnaturalização”... o que é um trabalho de desnaturalização?
Não bastasse, o estudo não parece ter objetivos evidentes. O propósito do trabalho só é mencionado, de maneira mais enfática, na fl. 352 e, mesmo assim, não me pareceu muito nítido. Gostaria de saber quais são os objetivos do estudo dele.
O que ele pretendia ao escrever essas folhas?
Haveria muitas outras indagações relacionadas às diversas deficiências metodológicas, mas passo de imediato a algumas breves questões pontuais que o trabalho me suscitou:

3. Perguntas suscitadas pela leitura do trabalho

Fl. 11 Mafei diz que: “Ao menos desde Hart, a teoria jurídica tem enfatizado a importância das regras para a constituição do campo teórico do direito e o seu papel constitutivo em relação a muitas instituições sociais,...” Será que é mesmo “desde Hart”?
Fl. 12 Mafei diz que: “os juristas não enxergam doutrinas jurídicas como mera expressão de opiniões em sentido fraco, mas sim como postulações de caráter normativo,...” será que colocar todos os juristas nessa vala comum não se afigura como uma generalização apressada?
Na Fl. 219, Mafei cita uma interessante passagem de Venâncio Filho de que “ser estudante de Direito era (no Brasil do século XIX), pois, sobretudo, dedicar-se ao jornalismo, fazer literatura, especialmente a poesia, consagra-se ao teatro, ser bom orador, participar dos grêmios literários e políticos, das sociedades secretas e das lojas maçônicas”.
1. Será que Mafei entende isso como algo ruim?
2. Atualmente, o que é ser estudante de Direito no Brasil?
Na fl. 303, Mafei menciona que “não foi possível encontrar quaisquer informações biográficas sobre Manoel Mendes da Cunha Azevedo”. Demonstrando certa dubiedade, diz que é possível “inferir que ele exercia sua atividade profissional no Nordeste”, uma vez que suas obras “foram publicadas em Recife (fl. 304) (As duas primeiras obras do Professor Ari Solon, por exemplo, foram publicadas em Porto Alegre... se o nome dele, algum dia, for digno de figurar na história jurídica do Brasil... deverá ser reputado gaúcho...?!). Primeiro, não demonstra muita certeza em relação a tal fato. Segundo, fala em exercício da atividade profissional no Nordeste, mas não faz ilações em relação ao fato de ele ter nascido lá ou, ao longo da vida, lá se constituído. Aliás, vai além e acentua ainda mais a dúvida: “Na história da Faculdade de Direito pernambucana escrita por Clóvis Beviláqua, seu nome não aparece entre os bacharéis; e nas memórias da faculdade paulista escritas por Spencer Vampré, tampouco ele consta entre os formados até 1900” (Fl. 304).
No parágrafo seguinte (fl. 304), entretanto, para minha total surpresa, Mafei vaticina “Bezerra Montenegro, conterrâneo de Azevedo”... Uai! Se ele afirma, no parágrafo anterior, que “não foi possível encontrar quaisquer informações biográficas sobre Manoel Mendes da Cunha Azevedo”, isto é, que não encontrou registros sobre sua formação, como, repentinamente, afirma, sem titubeios, que ele é conterrâneo de Bezerra Montenegro.
Qual a terra de ambos?
E Mafei insiste, novamente, na fl. 306, “seu conterrâneo e contemporâneo”. Ou ele não sabe informações biográficas e, portanto, não sabe a terra do Manoel Mendes da Cunha Azevedo ou sabe e, portanto, pode reputá-lo conterrâneo do Bezerra Montenegro.
Tal questão pode parecer filigrana... todavia, alguém pode entender que o trabalho se situe entre os de história jurídica e tal informação não ficaria bem em um trabalho que se pretende de história do direito.
Na fl. 330, Mafei fala em “um direito penal... quase barroco”.
O que é um direito penal quase barroco? Qual a diferença entre um direito penal quase barroco e um direito penal barroco? Qual a distinção entre um direito penal quase barroco e um direito penal não barroco? Como se mensura a “borrocidade” ou “barroquidade” do direito penal?

4. A tese em si

Após ler as 364 folhas da doxografia em comento, restaram-me algumas sensações:
1. Esboço de investigação só pode ser notado após a fl. 216. Talvez, melhor seria ter começado o trabalho desse ponto. Antes, o que se percebeu foram fichamentos autorais e de comentadores... uma ou outra singela impressão... nada além de meras compilações de leitura... da fl. 216 para frente, começa-se a notar a tentativa de empreender um estudo mais pesquisado.
2. Quem sabe o título mais corajoso, uma vez seguido tal conselho fosse: “Evolução do Direito Penal como disciplina autônoma no Brasil”.
Ao longo da leitura, folha por folha, uma pergunta restou subjacente e, talvez, apenas ela mereça ser efetivamente respondida:

QUAL A TESE de Mafei?.... QUAL A TESE?

Patifaria.

Na última semana, estive em São Paulo. Fui acompanhar o concurso de cátedra para Filosofia e Teria Geral do Direito da USP. Tratava-se da cadeira vacante em razão da aposentadoria compulsória do Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Concorriam os Professores Ari Marcelo Solon e José Reinaldo de Lima Lopes.

Assisti todo o concurso. Fui orientando do Professor Ari e minha análise pode estar enviesada.

O José Reinaldo reunia todas as condições para se tornar professor titular. É bom professor. Tem produção acadêmica interessante. Possui preparo intelectual.

José Reinaldo possuía as características que o credenciariam ao posto pleiteado. Não é contra isso que me indigno.

O que assisti foi vergonhoso. Patifaria! Patifaria! Patifaria!

A aula de erudição do Professor Ari foi muito superior à de José Reinaldo.

A aula de erudição de José Reinaldo mais parecia um seminário de monitor inseguro. Ele lia citações e fazia paráfrases. Poucas vezes, falou a palavra direito. O termo mais usado por ele foi linguagem. Falou de costas para aqueles que o assistiam. Acabrunhado, sem vigor no que afirmava.

A aula de erudição do Professor Ari, aplaudida ao final, foi uma verdadeira aula de cátedra. Falou voltado para o público com amplo domínio do assunto. Sua fala era vívida, fulgurosa. Baseada em casos em que ele atuou como advogado, no STF, perpassou o pensamento filosófico e jurídico ocidental sem descuidar de relacioná-los às insurreições brasileiras de junho. Ele analisou trechos em cinco idiomas (alemão, inglês, francês, grego e hebraico). Alguns citados de cor na língua original.

A disparidade nas notas, na prova de erudição [Zé Reinaldo: 10/10/10/9,7/10; Ari: 10/8,0/9,0/8,0/7,0], revelou, claramente, a patifaria. Poderia analisar as notas de outros pontos. Mas quem estava lá presenciou a patifaria em relação à aula de erudição. Se houve clara patifaria nesse ponto, não merece análise a patifaria restante.

A banca foi nitidamente armada. Demonstraram isso nas perguntas, nas arguições e, sobretudo, nas expressões faciais. Eles poderiam até esconder a patifaria, uma vez que José Reinaldo reunia as condições de ser titular.

A vitória de José Reinaldo seria perfeitamente viável sem a patifaria. O que se viu, porém, foi a necessidade deliberada de deixar a patifaria escancarada.

O inconsciente de Faria talvez revele melhor que qualquer frase minha a patifaria... disse ele: "ao serem proclamadas as notas e o resultado desse concurso, espero que não joguem marmelo na banca".

domingo, 16 de junho de 2013

Insurreição dos vinte centavos e deviniência


"Sei, de, mais tarde, me dizerem: que tudo tinha e tomava o forte, belo sentido, esse drama do agora, desconhecido, estúrdio, de todos o mais bonito, que nunca houve, ninguém escreveu, não se podendo representar outra vez, e nunca mais. Eu via os do público assungados, gostando (...). Eu via - que a gente era outros - cada um de nós, transformado. (...) A coisa que aconteceu no meio da hora. Foi no ímpeto da glória - foi - sem combinação. Ressoaram outras muitas palmas." (Guimarães Rosa, Pirlimpsiquice)

Em 1973, Raul Seixas lançou seu primeiro álbum, Krig-ha, Bandolo!. O título se referia a um grito de guerra do personagem Tarzan, conhecido à época nas revistas em quadrinhos da EBAL. Significa “Cuidado, aí vem o inimigo!”. [Elton Frans, redação de Roberto Murcia Moura, Raul Seixas: a história que não foi contada, Irmãos Vitale, 2000. p. 103.]

Na terceira faixa do disco Krig-ha, Bandolo!, Metamorfose Ambulante. “Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. 

Aquela velha opinião formada sobre tudo não compreenderá a insurreição dos vinte centavos que, aliás, nem é sobre vinte centavos.

Aquela velha opinião formada sobre tudo reclamará da ausência de líderes, onde todos lideram. Falará em falta de foco, onde o agir é multifocável. Criticará a mistura de causas e bandeiras por ser incapaz de compreender a transversalidade de propósitos e a diversificação de ideias em processos de ininterruptas elaborações.

Aquela velha opinião formada sobre tudo tentará identificar partidos, associações, movimentos sociais organizados por trás do movimento, pois não conseguirá perceber o movimento em movimento do movimento pelo movimento.

Aquela velha opinião formada sobre tudo não verá que o movimento representa a ultrapassagem de sua forma de visão, de identificação, de estigmatização, de rotulação.

Aquela velha opinião formada sobre tudo dirá que o movimento não tem uma opinião formada, justamente por não conseguir enxergar opiniões em formação, em contínua construção coletiva.

Aquela velha opinião formada sobre tudo sustentará que não há um ponto em comum que nos une, pois não assimilará que somos o ponto comum da união de diversos pontos que se interconectam formando redes lançadas por navegantes de mares nunca dantes navegados.

Há realidades em ininterruptas transformações, concebíveis como processos. Regeneram-se incessantemente e se caracterizam pelo contínuo devir: devêm. Nesses casos, realizar-se corresponderá a atualizar-se. Realidades em sucessões transitórias são realidades devinientes.

O movimento vivenciado por nós se afigura como realidade deviniente. Realiza-se ao se reatualizar. Deve ser percebido em permanente alteração: ao vir-a-ser, nunca é, senão sendo.

A metamorfose ambulante é a marca do movimento, vivifica-o e lhe confere novas formas, expressando seu desencadear dinâmico em processos interpretativos confusos e complexos, mas repletos de fulgor e poesia.

Embora à primeira vista possam parecer desorientadores, os rumos de nosso movimento apresentam-se em condições de ser explorados destemidamente, porém impõe frequentes alterações de rotas.

O caminho a ser proposto em nada recorda mapas. Será aprendido caminhando, revelando-se após os primeiros passos. Sem buscar atalhos, suas sendas merecem ser percorridas com atenção, vivenciando-se veredas políticas vitais.

Deviação: insurreição adentro.