domingo, 9 de novembro de 2008

ESCOLHI DIREITO?

A vida impõe decisões. A profissão a desempenhar se situa entre as mais difíceis. Geralmente, é tomada em momentos de incertezas. Ademais, repercutirá, fortemente, na existência dos indivíduos. Não raro, vários desistem de suas opções. Outros, entretanto, insistem no erro e, ao final da vida, acabam descobrindo os equívocos de suas escolhas. A possibilidade de não chegarem a tal conclusão também deve ser considerada. Nesses casos, a frustração costuma se revelar como conseqüência quase inevitável.
As carreiras jurídicas fazem parte do horizonte de muitos. Poucos, porém, estão, efetivamente, cientes da realidade dos cursos de direito e do desenrolar da formação dos profissionais dessa área. Ingressam na graduação sem adequada preparação.
Há clara ausência de contextualização dos estudantes de direito em relação à carreira escolhida. Raramente, estão informados sobre em quais circunstâncias suas graduações devem ser inseridas e planejadas, para que estejam minimamente consonantes com as exigências do mundo atual. O necessário conhecimento da realidade dos cursos de direito evitaria algumas decepções.
O estudante recém ingresso nos cursos de direito passa a fazer parte de um grupo, aproximado, de 590 mil graduandos nesta área. O número atual de advogados é de 571 mil. A cada ano, formam-se cerca de 120 mil bacharéis em direito. Em 2008, o Ministério da Educação estabeleceu termos de compromisso com 29 instituições privadas de ensino, para a redução de 7 mil vagas nos cursos jurídicos.
A quantidade de bacharelandos de direito no Brasil não parece razoável. Está longe de ser condizente com a necessidade de profissionais atuando nessa área. Talvez, vários formandos não consigam se inserir facilmente em alguma das atividades relacionadas ao âmbito jurídico.
Os quase 184 milhões de brasileiros demandam relativamente pouco. Aproximadamente, apenas 13 milhões deles recorrem ao judiciário em busca de solução para suas controvérsias. Portanto, nem 7% do total da população!
Nos Estados Unidos, por exemplo, da população estimada, no início de 2008, em 304.300.000 de habitantes, mais de 30% demandam o judiciário. Cerca de um terço dos norte-americanos recorre ao judiciário, para resolver suas controvérsias.
O curioso é que o contingente de advogados militantes nos EUA não deve ultrapassar 700 mil profissionais. Há menos de 200 instituições de ensino jurídico aprovadas pela Ordem dos Advogados dos Estados Unidos (ABA), isto é, para conferir a primeira graduação profissional em Direito (graduação J.D.). Lá não existem mais de 150 mil graduandos em direito.
Existem diversos motivos inibindo os brasileiros a procurarem o judiciário. Acesso difícil. Custo elevado. Lentidão no andamento dos processos.
As barreiras impedientes da utilização do judiciário pelos cidadãos precisam ser transpostas. Diagnosticar os problemas. Apresentar soluções viáveis e exeqüíveis. Implantá-las. Eis os primeiros passos de longa caminhada.
A imediata facilitação do acesso ao judiciário afigura-se premente. Urge o aprimoramento da justiça gratuita, bem como redução de custos dos procedimentos judiciários. Não se pode prescindir da eliminação da demora do curso processual, mediante implementação de mecanismos capazes de acelerá-lo. A resolução dos casos, além de eficaz, deve ser rápida.
O curso de direito é longo. Complexo. Repleto de percalços. Ele exige do aluno dedicação constante. Muita paciência. Inserção nos principais debates. Capacidade de reflexão e de organização das idéias. Permanente atualização.
O mercado de trabalho é dinâmico e voraz. Freqüentes inovações surgem a cada instante.
A Microsoft, por exemplo, pretende difundir novo software cuja função seria o monitoramento - mediante a aferição de freqüência cardíaca, temperatura corporal, movimento, expressão facial e da pressão arterial - do desempenho de indivíduos em seus computadores.
O cotidiano atual apresenta instigantes questões em busca de soluções eficazes. A possibilidade de ter de resolver a situação de aquisição de esperma por uma brasileira junto à CRYOS, empresa dinamarquesa mantenedora do maior banco de esperma da Europa, não é algo distante da realidade do profissional de direito contemporâneo. Esta empresa já fornece o líquido seminal a mais de 50 países. Há alguns como Suécia, Noruega, Bélgica, Alemanha, de modo legalizado e a outros de maneira ilegal, como à Austrália, à Coréia do Sul, ao Kuait. Aproximadamente 15 mil bebês nasceram por meio desse procedimento.
Insistir na afirmação de que a atual formação jurídica está, cada vez mais, banalizada e decadente é lugar comum. Nada acrescentaria. Talvez, o caminho seja captar e tentar entender os anseios da juventude recém chegada aos bancos das faculdades de direito. O estudante de direito possui angústias. Elas devem ser respeitadas, compreendidas e canalizadas em prol das mudanças substanciais requeridas pela sociedade contemporânea. As inquietações mais vorazes podem ensejar transformações desejáveis.
Formação e obtenção de diploma para o exercício de futuras profissões relacionadas à área constituem etapas diferentes. O aprendizado precisa ser gradual, consistente e adequado. Encarar o curso como obstáculo, isto é, empecilho ao exercício da profissão, pode restar equivocado.
A formação é necessária para a aquisição do aparato mínimo, para o exercício de determinadas atividades. Trabalhar e ganhar dinheiro são intenções legítimas, mas não podem dominar o anseio do estudante de modo avassalador, tornando-o um autômato que deve se formar o mais rapidamente possível. Ao contrário, a boa formação e a dedicação a ela tornarão a estrada mais segura rumo ao sucesso desejado.
Em alguns países, o diploma não credencia o recém formado ao exercício da carreira jurídica.
Na Alemanha, após o curso de Direito, exige-se dos recém formados, durante dois anos e seis meses, um estágio pelos diversos ramos do direito (privado, constitucional, administrativo, penal, trabalhista, em primeira e segunda instância). Não bastasse, a totalidade dos candidatos, mesmo os que pretendem seguir carreira na Magistratura ou no Ministério Público, deverão ser referendados em exame perante banca composta por juristas práticos (Referendariat). Ademais, há ainda o temido Exame Estatal (Staatsexam), praticamente definidor da carreira jurídica do formando.
Na França não é muito diferente. Após ter feito curso prático de um ano, o candidato francês também deve se submeter à banca semelhante a do alemão. Destarte, enfrentam, depois de diplomados, avaliação em Centros de Estudos Jurídicos.
O exame da Ordem dos Advogados do Brasil pode se assemelhar, em alguma medida, aos exames descritos. Todavia, em Portugal e na Itália, requer-se um estágio de dois anos em escritório de advocacia, para alguém estar apto a se submeter ao exame das suas respectivas Ordens de Advogados.
O direito é algo em freqüente transformação. Os conceitos por ele manipulados requerem constantes revisões e aprimoramentos. Aprender direito é também incursão em um processo de desenvolvimento da capacidade de elaboração de novos conteúdos. Coragem de ir além.
Atividades fortemente ligadas ao passado - fincadas no estudo de enfadonhas conceituações antiquadas, de leis inadequadas e desatualizadas, de velhas jurisprudências questionáveis - podem ser superadas.
As faculdades de direito podem se lançar na envolvente missão pioneira de motivar o surgimento de soluções para questões complicadas apresentadas cotidianamente. Eis o desafio inicial...