terça-feira, 24 de maio de 2011

Verdade...

“A verdade é como a luz ou silêncio, que compreendem todas as cores e todos os sons. Porém, a Física demonstrou que nosso olho não vê e nosso ouvido não ouve mais que um breve segmento da gama de cores e dos sons. Há muito mais, tanto aquém quanto além da nossa capacidade sensorial. Há cores que não enxergamos e sons que não ouvimos.” Francesco Carnelutti

segunda-feira, 23 de maio de 2011

E se nada acontecer?

E se nada acontecer?
Se os rostos deformados e os sentidos mendigos,
Os olhos famintos e as mãos que interrogam,
A carne que sangra desejos
E afoga a regeneração,
Se transformarem na cinza das ausências
E a dúvida acenar, ainda,
Como um profeta maior?
Se o silêncio pesar, como o remorso,
Sobre o grito de angústia
E a esfinge recolher o pranto e o riso do transfigurado?
Se abortarem todos os sonhos
E ele purificar os lábios no próprio sangue
E nada acontecer?
(Antônio Pinto de Medeiros Filho)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Regra do Jogo


Sá e Guarabyra

Quem nunca perde sempre transforma
Vai de outra forma ganhar
Torce o direito, entorta, reforma
Sempre consegue mudar

A regra do jogo
A regra do jogo
A ferro e a fogo
A regra do jogo

Pra quem tem pressa o que interessa
É ter bem mais do que tem
Traz na cabeça a mesma conversa
Enrola pra se dar bem

Na regra do jogo
Na regra do jogo
A ferro e a fogo
Na regra do jogo

É imprudente quem é falante
E se dá muito valor
E competente é quem vira gente
E cai nos braços do amor
A vida dá volta e virada
Quem entra despreza quem sai
O tempo embaralha a jogada
Quem sobe não olha quem cai

A vida dá volta e virada
Quem entra despreza quem sai
O tempo embaralha a jogada
Quem sobe não olha quem cai

É regra do jogo
É regra do jogo
É ferro e é fogo
A regra do jogo

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Pesquisa em Direito

Faculdades de Direito brasileiras raramente produzem pesquisas sérias. Estão infestadas de trabalhos acadêmicos que não passam de paráfrases autorais e bricolagens de citações livrescas.

Dissertações e teses sobre “a ideia de imputação objetiva em Roxin”, “o direito penal do inimigo em Jakobs”, “a ideia de pena em Zaffaroni”, “apontamentos sobre a teoria finalista da ação em Welzel” inundam os cursos brasileiros de pós-graduação em Direito.

Dificilmente, é possível encontrar trabalhos acadêmicos nacionais que realmente investiguem os problemas que afligem os jurisdicionados e menos ainda aqueles que propõem soluções viáveis, para as suas necessidades jurídicas mais prementes.

O estudo mais detalhado feito sobre as motivações de ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) - há cerca de cinco anos, em São Paulo - foi elaborado pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard e pela organização de defesa de direitos humanos Justiça Global.

SÃO PAULO SOB ACHAQUE: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em Maio de 2006 http://bit.ly/mDqxPT [Relatório]

domingo, 8 de maio de 2011

Mitos e recursos

Mitos e recursos

CEZAR PELUSO

Minha proposta de emenda constitucional, conhecida como PEC dos recursos, tem provocado um bem-vindo e necessário debate.

O intercâmbio democrático de ideias certamente levará ao aperfeiçoamento do texto, no interesse da sociedade brasileira. O debate, porém, já permitiu a análise objetiva de certos mitos que vigoram sobre a Justiça brasileira.

Um deles é o de que a diminuição do número de recursos representaria uma ameaça aos direitos fundamentais dos cidadãos no processo criminal. Trata-se de preocupação legítima, mas que não encontra amparo nos fatos.

Em termos técnicos, a proposta consiste na antecipação do marco que define o trânsito em julgado do processo judicial para a decisão das cortes de segundo grau.

De forma simples, a demanda judicial terminará depois do julgamento do juiz de primeiro grau e do tribunal competente. Recursos às cortes superiores não impediriam a execução das sentenças.

Hoje, um processo comum pode percorrer quatro graus de jurisdição: juiz, tribunal local, tribunal superior e Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema acarreta graves problemas, como a "eternização" dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça.

Com a PEC dos recursos, as ações serão mais rápidas, o sistema judiciário terá uma carga menor de processos e o cidadão terá acesso maior à Justiça para garantir seus direitos. A medida contribui para a solução de dois problemas: a falta de acesso da maioria da população à Justiça e a lentidão dos processos da minoria que recorre ao Judiciário para a solução de conflitos.

A crítica mais recorrente ao projeto é a relativa à Justiça Criminal.

Se a sentença condenatória à prisão for executada após a decisão de segundo grau, como reparar o dano imposto ao réu injustamente condenado caso a sentença seja reformada pelos tribunais superiores?

Os números mostram que não é o recurso extraordinário, mas o habeas corpus -que não seria atingido pela PEC-, o instrumento mais utilizado para reverter prisões ilegais. Além disso, em 2009 e 2010, dos 64.185 recursos extraordinários e agravos de instrumentos distribuídos aos ministros do STF, apenas 5.307 (cerca de 8%) referiam-se a feitos criminais.

Desses, somente 145 reformaram a decisão das cortes inferiores.

Dos 145, 59 tratavam da execução de condenação já transitada em julgado e 77 foram interpostos pela acusação. Em resumo, se a PEC dos recursos já estivesse em vigor, para a defesa seria indiferente o momento da decisão desses 136 recursos, se antes ou após o trânsito em julgado. Pode-se avançar na análise.

Dos nove recursos da defesa que foram acatados antes do trânsito em julgado (0,16% dos recursos criminais ou 0,014% do total do período), um trata do prazo máximo de medida de segurança, um questiona decreto de prisão sem entrar no mérito da ação penal e três reconhecem nulidades em ações penais que não levariam à prisão, mas a penas alternativas.

Apenas quatro discutiram a condenação por crimes passíveis de prisão -ou seja, 0,006% do total de recursos e agravos.

Em três deles, o STF reconheceu nulidades processuais, e em um único caso houve a efetiva reforma do mérito da condenação.

A remoção dos mitos permitirá a continuidade do debate em bases sólidas. A questão que se coloca à sociedade brasileira é simples: vale a pena manter o regime atual de recursos, que não atende às necessidades de toda a sociedade em questões cíveis, em nome de riscos inexistentes em matéria criminal?

CEZAR PELUSO é presidente do Supremo Tribunal Federal.

Fonte: Folha de São Paulo, domingo, 08 de maio de 2011.



sexta-feira, 6 de maio de 2011

Kelsen e a decisão do STF

ainda que esteja em vigor uma norma geral que o tribunal deve aplicar e que predetermina o conteúdo de norma individual a produzir pela decisão judicial, pode entrar em vigor uma norma individual criada pelo tribunal de última instância com conteúdo não correspondente a esta norma geral. (…) não só vigora a norma geral que predetermina o conteúdo da decisão judicial, mas também uma norma geral segundo a qual o tribunal pode, ele próprio, determinar o conteúdo da norma individual que há de produzir. Estas duas normas constituem uma unidade; de modo que o tribunal de última instância está autorizado a criar, quer uma norma jurídica individual em que o conteúdo se encontre predeterminado numa norma geral criada por via legislativa ou consuetudinária, quer uma norma jurídica individual em que conteúdo não se encontre assim predeterminado, mas que será fixado pelo próprio tribunal de última instância.” (Kelsen, Hans, Reine Rechtslehre, 2. Aufl., Wien: Franz Deuticke, 1960. S. 273).

As partes processuais podem contar com o fato de que, quando uma decisão de última instância transite em julgado conforme o direito vigente, não pode se impedir que comece a vigorar uma norma jurídica individual em que conteúdo não está previamente determinado por qualquer norma jurídica geral.” (Kelsen, Hans, Reine Rechtslehre, 2. Aufl., Wien: Franz Deuticke, 1960. S. 274)

por meio da interpretação autêntica, interpretação de uma norma pelo órgão jurídico autorizado a aplicá-la, pode se realizar não apenas uma das possibilidades reveladas pela interpretação feita em âmbito teórico, mas também se pode produzir uma norma que se encontre completamente fora do marco que a norma aplicável representa. (…) É fato bem conhecido que, não raro, se cria novo direito por via de tal interpretação autêntica – especialmente pelos tribunais de última instância.” (Kelsen, Hans, Reine Rechtslehre, 2. Aufl., Wien: Franz Deuticke 1960. S. 352)

“nunca pode existir qualquer garantia absoluta de que a norma inferior corresponde à norma superior. A possibilidade de que a norma inferior não corresponda à norma superior, que determina o conteúdo e a criação da primeira, e especialmente a de que a norma inferior tenha outro conteúdo que não o prescrito pela norma superior, não está, de modo algum, excluída. Mas, tão logo o caso tenha se tornado res judicata, a opinião de que a norma individual da decisão não corresponde à norma geral que tem de por ela ser aplicada passa a não ter importância jurídica. O órgão aplicador de Direito ou criou, autorizado pela ordem jurídica, novo direito substantivo, ou, segundo asserção própria, aplicou direito substantivo preexistente. No último caso, a asserção do tribunal de última instância é decisiva. Porque é o tribunal que, sozinho, tem competência para interpretar de maneira definitiva e autêntica as normas gerais a serem aplicadas ao caso concreto. A partir de um ponto de vista jurídico, não pode ocorrer qualquer contradição entre uma decisão com força de direito e o Direito estatutário ou consuetudinário a ser aplicado. A decisão de um tribunal de última instância não pode ser considerada como sendo antijurídica na medida em que tem de ser considerada como uma decisão de tribunal. É fato que decidir se existe uma norma geral que tem de ser aplicada pelo tribunal e qual o conteúdo dessa norma são questões que só podem ser respondidas juridicamente por esse tribunal (se for um tribunal de última instância).” (Kelsen, Hans, General Theory of Law and State, translated by Anders Wedberg. Cambridge: Harvard University Press, 1945. p. 155)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

APRENDER DIREITO


A maioria de meus alunos de pós-graduação em direito não sabe diferenciar Recursos Extraordinários de Agravos de Instrumento, mas consegue distinguir algumas noções conceituais de Dworkin das de Alexy.
Será que tais estudantes não fizeram o curso errado? Não deveriam ter se formado em letras, com especialização em crítica literária?
Até quando as academias brasileiras continuarão enganando os estudantes e os ensinando que o aprendizado do direito se efetiva a partir da leitura de capítulos de livros disponibilizados em fotocopiadoras nos arredores das faculdades e que a pesquisa em direito se faz por meio bricolagens de citações livrescas?
A formação jurídica não se resume à assimilação da técnica processual. Trata-se apenas de um dos requisitos da formação jurídica, embora, sem ela, não haja formação jurídica. Ninguém pode dizer exatamente que sabe direito, caso não domine os meandros processuais. Processo e direito não se confundem, mas é por meio do processo que, na maioria das vezes, o direito se realiza.
Saber direito não se confunde com decorar a legislação processual, mas não pode ser reduzido à diferenciação de alguns conceitos de Habermas e Luhmann.
Profissionais do direito devem possuir a capacidade de viabilizar soluções, para as demandas que lhes são apresentadas. Quando alguém os procura, espera deles a capacidade de resolver problemas concretos e não se sabem distinguir a ideia de justiça em Hegel da ideia de justiça em Kant.
Imaginar que o aprendizado do direito liga-se à assimilação de alguns conceitos de Habermas não parece adequado. Teorizações talvez tenham espaço em faculdades de filosofia e equivalentes.
A formação do aluno de direito deve objetivar a profissionalização sustentável, aliando habilidades e capacidades de exercício prático (considerando situações de contingência, deviniência e imponderabilidade).   
A preparação do profissional do direito não deve ser teórica, mas estratégica (ele vai trabalhar em situações de circunstanciais perdas-e-ganhos), estruturante e transdisciplinar, permitindo a ele encontrar soluções possivelmente exequíveis e, assim, viabilizar eventuais respostas que façam frentes aos desafios apresentados.
O aprendizado jurídico não se dá simplesmente pela leitura de escritos, uma vez que ele já existia mesmo antes da escrita. O aprendizado do direito se dá pela vivência jurídica efetiva, pela lida com o direito... é algo, em alguma medida, aludível ao nadar, isto é, tem de pular na água e fazer os movimentos esperados... Do contrário, afoga. Não há manual de natação germânico que salve do afogamento quem não sabe nadar.
Pensar sobre o direito é diferente de racionar juridicamente. O primeiro deve ser tarefa dos filósofos e similares. O segundo é típico do profissional de direito. Faculdades de Direito não deveriam ser espaço para divagações, doutrinações e dogmatismos livrescos.
Chega de dubi dubis!