sábado, 26 de abril de 2014

Sobre as tentativas de definição de "constituição"

Leio em vários manuais de Direito Constitucional que há um conceito político de constituição elaborado por Carl Schmitt e um conceito jurídico de constituição elaborado por Hans Kelsen. Ademais, que existiria um conceito sociológico de constituição articulado por Ferdinand Lassalle.

Porém, quando se lê Hans Kelsen:

"O direito não pode ser separado da política, pois é essencialmente um instrumento da política. Tanto sua criação quanto sua aplicação são funções políticas". (Hans Kelsen, Was ist die Reine Rechtslehre, In: Die Wiener Rechtstheorestische Schule. Band I. Europa Wien Verlag: Wien, 1968, pp. 611-630, p. 620.)

“O problema do direito natural é o eterno problema daquilo que está por trás do direito positivo. E quem procura uma resposta encontrará – temo – não a verdade absoluta de uma metafísica nem a justiça absoluta de um direito natural. Quem levanta esse véu sem fecha os olhos vê-se fixado pelo olhar esbugalhado da Górgona do poder”. Kelsen, Hans. Gleichheit vor dem Gesetz...., 1927, p. 55.

Quando se lê Ferdinand Lassalle [Über Verfassungswesen (Sobre a essência da Constituição)], ele afirmará que questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. [Konrad Hesse. A Força Normativa da Constituição. Tradução e notas de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 9.] É que a Constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes: poder militar, representado pelas Forças Armadas, o poder social, representado pelos latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria e pelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se equipare ao significado dos demais, o poder intelectual, representado pela consciência e pela cultura gerais. As relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão-somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder; esses fatores reais do poder formam a Constituição real do país. (...) A constituição escrita, um pedaço de papel (ein Stück Papier), terá de sucumbir diante dos fatores reais de poder dominantes no país:

"Onde a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a Constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a Constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país."

"De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder."

"Essa é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem um país.

Mas, que relação existe com o que vulgarmente chamamos Constituição; com a Constituição jurídica? Não é difícil compreender a relação que ambos conceitos guardam entre si.

Juntam-se esses fatores reais do poder, escrevemo-los em uma folha de papel, dá-se-lhes expressão escrita e a partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples fatores reais do poder, mas sim verdadeiro direito, nas instituições jurídicas e quem atentar contra eles atenta contra a lei, e por conseguinte é punido.

Não desconheceis também o processo que se segue para transformar esses escritos em fatores reais do poder, transformando-os desta maneira em fatores jurídicos."

"Tenho demonstrado a relação que guardam entre si as duas Constituições de um país: essa Constituição real e efetiva, integralizada pelos fatores reais e efetivos que regem a sociedade, e essa outra Constituição escrita, à qual, para distingui-la da primeira, vamos denominar de folha de papel."

"todos os países possuem ou possuíram sempre, e em todos os momentos da sua história uma Constituição real e verdadeira. A diferença nos tempos modernos — e isto não deve ficar esquecido, pois tem muitíssima importância — não são as Constituições reais e efetivas, mas sim as Constituições escritas nas folhas de papel."

"Se alguma vez os meus ouvintes ou leitores tiverem que dar seu voto para oferecer ao país uma Constituição, estou certo que saberão como devem ser feitas estas coisas e que não limitarão a sua intervenção redigindo e assinando uma folha de papel, deixando incólumes as forças reais que mandam no país.

E não esqueçam, meus amigos, os governos têm servidores práticos, não retóricos, grandes servidores como eu os desejaria para o povo."

Nenhum comentário: