Os julgadores não interpretam regras, senão relatos e argumentos. Regras são vieses de ancoragem na tomada de decisão (tanto para o agir, quanto para julgar).
O direito não se mostra como relações comportamentais segundo regras. O grande dilema do direito não aparece como problema normativo, mas como problema interpretativo. Regras idênticas podem descortinar ações, hermeneuticamente mediadas, diversas. E como ações idênticas são diversamente relatadas e ensejam argumentos díspares, decidir se torna inevitável.
Por outro lado, não há controle sobre o conteúdo decisório, nem mesmo quando se está diante do mesmo julgador.
Levantamento feito pelo Judiciário mostra que 60% dos magistrados levam em conta aspectos sociais e econômicos nas decisões. Apenas 19% não adotam esses critérios.
O que é julgar? O que se passa na mente do julgador ao decidir algo? Indagações como essas são da mais alta relevância para aqueles que lidam com o direito. Os estudos jurídicos precisam atentar para o que os juízes consideram ao decidir uma demanda e para os principais aspectos orientadores de suas escolhas. [Weber, Elke U. Johnson, Eric J. Mindful Judgment and Decision Making. The Annual Review of Psychology, v.60, 2009, pp. 53-85.]
Aquele que julga, ao impor a sua decisão a um terceiro, faz uso dos mais diversos critérios possíveis. [Harvey, Nigel, Twyman, Matt e Harries, Clare. Making Decisions for Other People: The Problem of Judging Acceptable Levels of Risk. Forum Qualitative Social Research: Volume 7, No. 1, Art. 26 January 2006, pp. 2 e 3.]
Dificilmente juízes diriam que julgam sem levar em conta os balizadores legais. Os dados do anuário, por outro lado, mostram que seis em cada dez membros do Judiciário consideram aspectos sociais, econômicos e de governabilidade.
Entre os setenta e cinco ministros ouvidos na pesquisa, quarenta e seis responderam que observam aspectos sociais e econômicos em seus julgamentos. Quatorze disseram decidir tecnicamente e somente com base nas leis e outros quinze não se manifestaram.
Ao julgar, os juízes costumam ter uma visão conjuntural ou observam unicamente a legislação vigente? Ao apreciar uma demanda, levam em consideração o contexto, os fatos, a repercussão? Fazem isso balizados pela legislação? [Um estudo conduzido em universidades alemãs demonstrou que, diante da possibilidade de uma revisão da sua escolha, as pessoas tendem a procurar resultados mais rápidos, que maximizem os seus ganhos imediatos – sem ponderar acerca das consequências a terceiros. É, novamente, uma atuação pura do sistema de recompensas em ação, o que se estudará neste capítulo. Quando os participantes tinham, por outro lado, o seu poder de escolha reduzido – ou seja, a decisão que tomassem não poderia ser revista ou alterada – percebeu-se maior racionalidade e a incidência de constrições morais, religiosas e legais. Para o que interessa aqui, é importante ter em mente que a possibilidade de recurso judicial a instâncias superiores desencadeia, de certa forma, tanto para o juiz como para as partes afetadas pela sua decisão, o primeiro mecanismo, e não o segundo. [Felser, Georg. „‘Du kannst es dir ja nochmal überlegen‘ – Warum uns reversible Entscheidungen nicht zufriedener machen”. Journal of business and media psychology, Ausgabe 2, 2012, pp. 2 e 9.]
Juízes não "aplicam" textos legislativos. Trata-se de noção distorcida. Os julgadores decidem demandas (interpretando relatos e argumentos contidos nos autos processuais e nas intervenções orais), possivelmente, orientados por textos legislativos.
A legislação aparece, portanto, apenas como um viés de ancoragem da interpretação dos relatos e dos argumentos.
O juiz interpreta o texto escrito pelos advogados e o texto verbalizado nas intervenções orais.
A invocação do texto legal é argumentativa. Poder-se-ia invocar, por exemplo, que uma decisão ancorada estritamente no texto legislativo constitucional (exemplo: concessão de habeas corpus para estrangeiro não residente no Brasil) seria inconstitucional. Esse argumento tem valor similar ao que postula o ancoramento estrito no texto legal constitucional.
Texto: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade ...
Decisão: “o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado” (STF, HC 94016 MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 7/4/2008).
A questão central da hermenêutica jurídica é decidir a demanda, isto é, interpretar os relatos e os argumentos trazidos pelas partes; decidir se o estrangeiro não residente no Brasil merece ter seu direito de ir vir assegurado por meio de habeas corpus e não se o caput do art. 5º da legislação constitucional ampara ou não essa pretensão do demandante.
O jurista interpreta relatos de algo já passado ou relatos meramente imaginários.
Conforme o § 1º, do artigo 71, da Lei das Licitações (Lei 8.666/1993), a administração pública não responde pela inadimplência da empresa contratada com relação a encargos trabalhistas. [Entendimento firmado pelo STF na ADC 16]. Por outro lado, na análise dos autos da Reclamação (RCL) 15052, ficou configurada a culpa da administração do Estado de Rondônia na fiscalização do contrato. Havia cláusula contratual que condicionava repasse de recursos públicos à empresa contratada à comprovação da regularidade da situação trabalhista, o que não foi feito.
Conforme o § 1º, do artigo 71, da Lei das Licitações (Lei 8.666/1993), a administração pública não responde pela inadimplência da empresa contratada com relação a encargos trabalhistas. [Entendimento firmado pelo STF na ADC 16]. Por outro lado, na análise dos autos da Reclamação (RCL) 15052, ficou configurada a culpa da administração do Estado de Rondônia na fiscalização do contrato. Havia cláusula contratual que condicionava repasse de recursos públicos à empresa contratada à comprovação da regularidade da situação trabalhista, o que não foi feito.
O processo hermenêutico jurídico poderia corresponder àquilo que Gerald Edelman denomina imagens mentais condicionadas a certo tempo em torno do presente mensurável, isenta de conceitos de eu, de passado e do futuro e situada para além do registro descritivo individual direto a partir do seu ponto de vista?
A consciência elaborada envolveria o reconhecimento por um sujeito pensante, dos seus próprios atos ou afetos, um modelo do que é pessoal e do passado e do futuro, tal como presente?
Os seres humanos possuem um consciente para além da consciência primária?
Em caso afirmativo, a hermenêutica jurídica talvez encontre uma contribuição interessante nos pressupostos físico, evolutivo e dos qualia, conforme classificação edelmaniana.
No pressuposto físico, ter-se-ia a base adequada, porém ainda insuficiente para explicar integralmente a consciência.
O pressuposto evolutivo corresponderia à aquisição da consciência, donde adviria a capacidade de adaptação evolutiva aos indivíduos que a possuem, ou forneceria a base para outros traços que aumentam a capacidade de adaptação.
A compreensão do pressuposto dos qualia depende de se entender, anteriormente, o que seria qualia. Qualia equivalem a um plexo de experiências, sentimentos e sensações pessoais ou subjetivas que acompanham o estar consciente. Eles não podem ser completamente partilhados por outro indivíduo.
Esse pressuposto dos qualia estabelece a distinção entre a consciência elaborada da primária.
A hermenêutica jurídica afigura-se como expressão da consciência elaborada ou primária?
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