O Facebook não respeita as leis de privacidade europeias
Fundador do grupo 'Europa contra o Facebook' diz que a única alternativa ao usuário é cobrar leis mais fortes
BERNARDO MELLO FRANCO
DE LONDRES
Em 2011, um austríaco com então 23 anos resolveu desafiar o Facebook.
Max Schrems, estudante de direito em Viena, evocou as leis europeias de
proteção da privacidade para pedir cópia de todas as informações que a
rede social guardava sobre ele.
A resposta veio num dossiê de 1.222 páginas. Além do que o próprio
Schrems compartilhava com os amigos, o site armazenava uma pilha de
dados à sua revelia, como uma lista dos locais de onde ele acessou o
site e os comentários que havia apagado.
A experiência levou Schrems a fundar o grupo Europa Contra o Facebook
(Europe vs Facebook, em inglês), que cobra respeito às regras de
privacidade dos usuários.
A entidade já teve algumas vitórias, como obrigar o Facebook a desativar
uma ferramenta que identificava automaticamente o rosto das pessoas em
fotos de terceiros.
Os alertas de Schrems ganharam importância depois que o jornal britânico
"Guardian" acusou a rede social de repassar dados para o sistema de
espionagem americano Prism, o que a empresa nega. Leia os principais
trechos de entrevista concedida à Folha no sábado.
Folha -Por que você decidiu declarar guerra ao Facebook?
Max Schrems - Apresentei a primeira queixa depois de descobrir
que o Facebook guardava dados que eu já havia apagado da minha conta.
Eles desrespeitam de várias maneiras as leis da União Europeia sobre
privacidade. Para fugir dos impostos, o Facebook mantém a sua sede
comercial na Irlanda. Isso faz com que, fora da América do Norte, o site
tenha que se enquadrar às leis europeias.
Sua organização indicou vários pontos em que a rede social descumpre essas leis. O que precisa mudar?
Já apresentamos 22 queixas sobre temas diferentes. Cada uma delas requer
mudanças específicas. Nós não fizemos isso só por reclamar, mas também
para mostrar que é possível manter uma rede social que respeite a
privacidade das pessoas.
Você pediu cópia de suas informações armazenadas pelo Facebook e
recebeu um dossiê de mais de 1.000 páginas. Que tipo de dados eles
guardam?
Descobri que eles também armazenavam informações que já haviam sido
deletadas ou que foram produzidas e arquivadas sem o meu conhecimento.
Esta é a questão mais controversa. O Facebook espiona usuários e não
usuários da rede e tem mais informações do que as pessoas publicam em
seus perfis.
Eles também recolhem dados sobre você a partir dos seus amigos e
conseguem descobrir coisas através de sistemas estatísticos, que são
usados em larga escala.
É possível saber o que o Facebook está fazendo com os dados pessoais de seus usuários?
Não. A maior ameaça à privacidade é que nós não temos nenhum controle
sobre o que eles fazem com esses dados em seus servidores dos Estados
Unidos.
As empresas têm criado suas próprias políticas de privacidade na
internet, mas normalmente elas são tão vagas que permitem que se faça
qualquer coisa com as suas informações pessoais.
É sabido que o Facebook mantém um histórico das atividades e dos
gostos de cada usuário e processa esses dados para escolher os anúncios
que aparecem em sua tela. O que mais eles conseguem fazer?
Isso também não está claro. Um exemplo: eles usam informações do nosso
histórico para só nos mostrar o que gostamos de ver. Isso significa que
opiniões diferentes das nossas são filtradas para que a gente não se
irrite com o conteúdo que aparece quando abrimos o Facebook.
É uma espécie de "censura de bem-estar" na rede. O Facebook coopera
quando recebe pedidos ligados a investigações policiais em diversos
países, o que é legítimo. Mas agora sabemos que todos os dados estão
sendo usados por órgãos de espionagem do governo americano.
Mark Zuckerberg disse ter ficado indignado com as notícias ligando a
rede social ao sistema Prism. Você acredita que a inteligência do
governo americano tenha acesso direto aos servidores do site?
Eu apostaria meu dinheiro nisso, e acho que seria uma aposta segura. Os
EUA já admitiram a existência do Prism. A única alegação deles é que os
alvos não são cidadãos americanos. Para mim, que não sou americano, não é
uma resposta satisfatória.
Até aqui, não surgiram indícios fortes para desmentir a informação de
que o Facebook participa desse esquema de vigilância maciça.
Além disso, sob as leis americanas, você é obrigado a mentir sobre a sua
colaboração com esse tipo de esquema. Não vejo motivos para acreditar
que a versão deles seja verdadeira.
Que recomendações daria aos usuários brasileiros do Facebook preocupados com sua privacidade?
Acho que agora todos já sabem que é bom pensar duas vezes antes de
publicar algo na internet. Individualmente, não há muito o que fazer.
Temos que cobrar a criação e o fortalecimento de leis que protejam a
privacidade para que essas novas tecnologias voltem a merecer confiança.
Uma ministra na Venezuela sugeriu que a população abandone o Facebook
para não trabalhar de graça para a CIA. O que acha desse tipo de
recomendação?
O problema prático é que não há alternativas reais. Se você sair
individualmente do Facebook, possivelmente vai tentar levar seus amigos
para outra rede social.
A única solução real seriam redes sociais abertas, em que você pudesse
interagir com pessoas que estão em outras redes. Da mesma maneira que
pode mandar um email de um provedor para outro ou ligar para um telefone
de outra operadora.
Você ainda usa o Facebook?
Sim. Acho que deixar os serviços que nos espionam não é a solução. Na
verdade, você mal consegue usar a internet sem fornecer dados ao Google,
à Apple, à Microsoft, à Amazon ou ao Facebook. Temos que fazer com que
as empresas respeitem a nossa privacidade, e não passar a nos
autocensurar.
Está satisfeito com os resultados da sua campanha? Qual é seu objetivo final?
Já conseguimos que o Facebook desativasse o sistema de reconhecimento
facial fora da América do Norte. Eles também tiveram que deletar dados
antigos, formular uma nova política de privacidade e montar uma equipe
de 15 pessoas só para lidar com as nossas queixas.
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