22.05.09
Relatório de análise da "tese" de doutorado de Rafael Mafei Rabelo
Queiroz
Título: A teoria penal de P. J. A. Feuerbach e os
juristas brasileiros do século XIX: a construção do direito penal contemporâneo
na obra de P. J. A. Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas do Brasil.
Dividirei a análise do
trabalho em quatro perspectivas:
1. relacionada à forma
2. relacionada à
metodologia
3. relacionada à
questões que a leitura do trabalho suscita
4. relacionada à tese
em si
1.
No que tange à forma:
Atualmente, examinar
questões formais perdeu importância. É até razoável que isso tenha acontecido.
Afinal, ater-se às formalidades em detrimento de outros pontos mais relevantes
de um trabalho acadêmico pode se afigurar como mera perda de tempo. Porém, no caso
da doxografia de Mafei, os erros formais são de tal monta que configuraria
enorme displicência deixá-los totalmente de lado.
Necessário mencionar
que é difícil encontrar uma folha no escrito dele que não possua erros formais.
Inumeráveis são os
erros de digitação. Seria laudatório apontar todos. Exemplifico, por meio de um
panorama geral, o que estou a mencionar:
Fl. 06 – falta um “a”
em disciplina
Fl. 08 – falta um “o”
em como
Fl. 43 - Faltou um “s”
em distintas teorias
Fl. 86 - “a esse ato” e
não “ao esse ato”
Fl. 102 há mais de um
problema falta um “s” em “mesmas”... “pelas mesmas linhas gerais”... falta um
“de” em “vontade de alguém”.
Fl. 121 falta um “r” em
poder agir
Na Fl. 130 há um “em” a
mais “em ordenamentos” e na Fl. 133 há um “a” a mais em “a grande”
Na Fl. 157 há um erro
curioso, uma vez que se repete na Fl. 174 “entre das duas”... não seria “entre
as duas”?...
Fl. 216 falta um “s” em
grande... “as grandes linhas”
Fl. 340 há um “de” a
mais em “tese de direito penal”
Fl. 344 “ele” e não “elel”
Friso que essas menções
não são exaustivas. Há exemplos de erros como esses em quase todas as folhas do
trabalho.
Nas notas de pé de
páginas, nota-se, igualmente, a ausência de revisão apropriada:
Fl. 33, nota 22: “As
leis régias eram tentavam
esvaziar”... o “eram” está sobrando aí...
Fl. 50 – nota 38
“Escolhi eleger”... parece-me um pleonasmo vicioso... uma redundância
desnecessária.
Fl. 230, nota 306:
“relação ao às idéias”... há um “ao” sobrando aí...
A falta de cuidado não se
revela apenas no que tange à língua portuguesa. Nos demais idiomas o problema
se repete. Foco no alemão, mas poderia citar exemplos nos demais idiomas. Friso,
apenas, palavras elementares de tal idioma e de familiaridade de juristas, pois,
se fosse me ocupar dos erros em língua germânica encontrados nesse trabalho, passaria
dias a digitá-los, eis os exemplos:
Fl. 37 Há um “r” a mais em “Bundesverfassungsgericht”... Mafei escreveu „BundesverfassungsgeRrichts“
Na Fl.
102, nota 113, até a clássica palavra direito (Recht) aparece com grafia errada
Rechst... o “t” deveria vir antes do “s”.
Há, ainda, erros mais
graves. Digo mais graves porque não se trata de deslizes relacionados à
digitação ou mera distração, mas de erros elementares de língua portuguesa. Para
não restar cansativo e não me ocupar demasiadamente com aspectos formais do
estudo, demonstro apenas os que reputei de maior gravidade:
Na Fl. 125, o candidato
escreve algo pouco escusável até na língua falada: “que mandam ele evitar”...
No final da Fl. 304, há
erro relacionado à pontuação “é correto dizer que, (vírgula... faltou a
vírgula), na cultura jurídica da primeira metade do século XIX, o código de
1830...”
Há diversos problemas
de concordância pronominal, sobretudo, em relação às próclises, exemplo, Fl.
193 “que se referia” e não “que referia-se”... o “que” atrai o “se”...
Fl. 225 “a saída foi
não se restringir” e não “a saída foi não restringir-se”... a partícula
negativa “não” também atrai o “se”.
Creio que já me ocupei
em demasia com problemas formais. Talvez, nem fosse o caso. Mas esses exemplos
são mínimos ante a quantidade de erros de toda sorte presentes no trabalho.
Urge revisão atenta e cuidadosa.
2.
No que tange à metodologia
O sumário não está
justificado e foi disposto de modo embolado... Não bastasse, só há referência
das páginas dos títulos, mas os subtítulos não estão referidos... dificultando,
sobremodo, o exame da obra. O sumário precisa ser refeito, para permitir exame
mais adequado do trabalho.
Na. Fl. 09, Mafei fala
em justificativas, mas não demonstra, de modo claro, quais os motivos
justificam o desenvolvimento do seu trabalho. A relevância do trabalho vem
timidamente justificada apenas na Fl. 358 [seis folhas do fim do trabalho]. No
início do trabalho, ele não deixa nítidas as razões para justificar a
importância de sua pesquisa, acaba o fazendo quase na derradeira folha.
Ao ler, na Fl. 06, que
“a ideia central da investigação é explicitar o sentido normativo por trás de
duas etapas históricas da formação do direito penal contemporâneo” fiquei na
expectativa de que tal seria a perspectiva norteadora do trabalho, porém, na
designada pergunta metodológica da investigação (Fl. 14), o “normativo”, em um
passe de mágica, desaparece, senão, observe-se: “qual a melhor forma de
precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal
contemporâneo e como eles refletem na dogmática penal brasileira do século
XIX?”
Qual é o problema a ser
resolvido pela pesquisa? É explicitar o sentido normativo por trás de duas
etapas históricas de formação do direito penal contemporâneo? Ou responder
“qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do
direito penal contemporâneo”?
Uma coisa “é explicitar o sentido normativo por trás de
duas etapas históricas de formação do direito penal contemporâneo”; outra
coisa é procurar responder “qual a melhor forma de precisar os sentidos por trás da formação histórica do direito penal contemporâneo”. No primeiro caso, estar-se-ia próximo à metodologia de um trabalho de dogmática
jurídica. No segundo caso, estar-se-ia em torno de uma metodologia relacionada
a uma investigação histórica.
Na Fl. 20, parece que Mafei
fará, efetivamente, “uma investigação sobre a formação histórica de uma
disciplina...” entretanto, menciona que tal pesquisa “precisa ser feita a
partir de um ponto de vista hermenêutico”... Não bastasse, completa: “o direito
penal contemporâneo é uma ferramenta metodológica fundamental para isso”.
Qual a relação entre
“investigação sobre formação histórica”, “ponto de vista hermenêutico” e
“direito penal contemporâneo como ferramenta metodológica fundamental”? Como o
direito penal contemporâneo pode ser uma ferramenta metodológica? Usarei
direito penal contemporâneo como ferramenta metodológica para desenvolver meu
trabalho. Desconheço essa ferramenta metodológica denominada direito penal
contemporâneo.
As confusões
metodológicas, porém, não param por ai...
Na Fl. 09, Mafei diz que
a designada pesquisa “exige algum detalhamento metodológico, como também o
exigem seus objetos e hipóteses”.
Onde está o
detalhamento dos objetos? Onde está o detalhamento das hipóteses?
No que tange às
hipóteses, talvez implícitas em algumas interrogações soltas ao longo do
trabalho, não se percebe, claramente, tal detalhamento. Para se ter uma idéia,
o candidato só retoma mais detidamente as suas denominadas hipóteses, de modo
mais nítido, nas Fls. 340 e 341.
O problema metodológico
mais latente, entretanto, certamente se relaciona a ausência de clareza quanto
aos assim chamados objetos?
Qual o objeto do
trabalho? Quais os objetos do trabalho? Eles não foram detalhados.
1. O objeto do
trabalho, como parece sugerir o tema, é a teoria penal de Feuerbach e os
juristas brasileiros do século XIX? Melhor perguntando: seria talvez a
influência da teoria penal de Feuerbach nos juristas brasileiros do século XIX?
2. Ou o objeto seria “a
construção do direito penal contemporâneo na obra de Feuerbach e sua consolidação
entre os penalistas do Brasil”?
Note-se que uma coisa é
a influência de teoria penal de Feuerbach no pensamento dos juristas
brasileiros do século XIX outra coisa bem diferente é a construção do direito
penal contemporâneo na obra de Feuerbach e sua consolidação entre os penalistas
do Brasil.
Ao ler o trabalho,
contudo, fiquei pensando que o objeto talvez não seja necessariamente esse...
talvez o objeto fosse
3. “a evolução do
direito penal como disciplina autônoma”... suas origens européias e sua
recepção no Brasil... ou algo similar a isso...
A complicação metodológica
é tamanha que, talvez, se poderia tentar compreender como uma miscelânea
disparatada de objetos sem precisão metodológica.
Porém, na fl. 351, ele
fala em “objeto teórico-jurídico”, isto é, objeto no singular, e diz que a
pesquisa teve por tema “a análise histórica da formação do direito penal
contemporâneo”.
No trabalho de Mafei, há
objetos (como mencionado na fl. 09) ou há objeto (como mencionado na fl 351)?
Se há objeto, qual é?
Fique claro que uma
coisa é “a evolução do direito penal como disciplina autônoma” ou coisa é “a
análise histórica da formação do direito penal contemporâneo”. Num, falamos
matéria direito penal, noutro, falamos de um âmbito específico do direito.
O candidato ainda
apresenta uma perspectiva... denominada por ele de “metodológica”... que ele
chama de “desnaturalização” (Fl. 352) “Essa pesquisa pode ser vista como um
mesmo trabalho de desnaturalização”... o que é um trabalho de desnaturalização?
Não bastasse, o estudo
não parece ter objetivos evidentes. O propósito do trabalho só é mencionado, de
maneira mais enfática, na fl. 352 e, mesmo assim, não me pareceu muito nítido.
Gostaria de saber quais são os objetivos do estudo dele.
O que ele pretendia ao
escrever essas folhas?
Haveria muitas outras
indagações relacionadas às diversas deficiências metodológicas, mas passo de
imediato a algumas breves questões pontuais que o trabalho me suscitou:
3.
Perguntas suscitadas pela leitura do trabalho
Fl. 11 Mafei diz que:
“Ao menos desde Hart, a teoria jurídica tem enfatizado a importância das regras
para a constituição do campo teórico do direito e o seu papel constitutivo em
relação a muitas instituições sociais,...” Será que é mesmo “desde Hart”?
Fl. 12 Mafei diz que:
“os juristas não enxergam doutrinas jurídicas como mera expressão de opiniões
em sentido fraco, mas sim como postulações de caráter normativo,...” será que
colocar todos os juristas nessa vala comum não se afigura como uma generalização
apressada?
Na Fl. 219, Mafei cita
uma interessante passagem de Venâncio Filho de que “ser estudante de Direito
era (no Brasil do século XIX), pois, sobretudo, dedicar-se ao jornalismo, fazer
literatura, especialmente a poesia, consagra-se ao teatro, ser bom orador,
participar dos grêmios literários e políticos, das sociedades secretas e das
lojas maçônicas”.
1. Será que Mafei entende
isso como algo ruim?
2. Atualmente, o que é
ser estudante de Direito no Brasil?
Na fl. 303, Mafei
menciona que “não foi possível encontrar quaisquer informações biográficas
sobre Manoel Mendes da Cunha Azevedo”. Demonstrando certa dubiedade, diz que é
possível “inferir que ele exercia sua atividade profissional no Nordeste”, uma vez
que suas obras “foram publicadas em Recife (fl. 304) (As duas primeiras obras do Professor Ari Solon, por exemplo, foram
publicadas em Porto Alegre... se o nome dele, algum dia, for digno de figurar
na história jurídica do Brasil... deverá ser reputado gaúcho...?!).
Primeiro, não demonstra muita certeza em relação a tal fato. Segundo, fala em
exercício da atividade profissional no Nordeste, mas não faz ilações em relação
ao fato de ele ter nascido lá ou, ao longo da vida, lá se constituído. Aliás,
vai além e acentua ainda mais a dúvida: “Na história da Faculdade de Direito
pernambucana escrita por Clóvis Beviláqua, seu nome não aparece entre os
bacharéis; e nas memórias da faculdade paulista escritas por Spencer Vampré,
tampouco ele consta entre os formados até 1900” (Fl. 304).
No parágrafo seguinte
(fl. 304), entretanto, para minha total surpresa, Mafei vaticina “Bezerra
Montenegro, conterrâneo de Azevedo”... Uai! Se ele afirma, no parágrafo
anterior, que “não foi possível encontrar quaisquer informações biográficas sobre
Manoel Mendes da Cunha Azevedo”, isto é, que não encontrou registros sobre sua formação, como,
repentinamente, afirma, sem titubeios, que ele é conterrâneo de Bezerra Montenegro.
Qual a terra de ambos?
E Mafei insiste,
novamente, na fl. 306, “seu conterrâneo e contemporâneo”. Ou ele não sabe
informações biográficas e, portanto, não sabe a terra do Manoel Mendes da Cunha
Azevedo ou sabe e, portanto, pode reputá-lo conterrâneo do Bezerra Montenegro.
Tal questão pode
parecer filigrana... todavia, alguém pode entender que o trabalho se situe
entre os de história jurídica e tal informação não ficaria bem em um trabalho
que se pretende de história do direito.
Na fl. 330, Mafei fala
em “um direito penal... quase barroco”.
O que é um direito
penal quase barroco? Qual a diferença entre um direito penal quase barroco e um
direito penal barroco? Qual a distinção entre um direito penal quase barroco e
um direito penal não barroco? Como se mensura a “borrocidade” ou “barroquidade”
do direito penal?
4.
A tese em si
Após ler as 364 folhas
da doxografia em comento, restaram-me algumas sensações:
1. Esboço de
investigação só pode ser notado após a fl. 216. Talvez, melhor seria ter
começado o trabalho desse ponto. Antes, o que se percebeu foram fichamentos
autorais e de comentadores... uma ou outra singela impressão... nada além de
meras compilações de leitura... da fl. 216 para frente, começa-se a notar a
tentativa de empreender um estudo mais pesquisado.
2. Quem sabe o título
mais corajoso, uma vez seguido tal conselho fosse: “Evolução do Direito Penal
como disciplina autônoma no Brasil”.
Ao longo da leitura,
folha por folha, uma pergunta restou subjacente e, talvez, apenas ela mereça
ser efetivamente respondida:
QUAL
A TESE de Mafei?.... QUAL A TESE?
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