sábado, 18 de maio de 2013

Há controle sobre as decisões judiciais?


Há diversos experimentos a demonstrar o transracionalismo decisório, mas, nos cursos de Direito, grande parte dos professores segue ensinando, sem constrangimentos, o racionalismo decisório.

Dan Ariely, professor de economia comportamental da Universidade Duke e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), é autor de Previsivelmente Irracional. Ariely afirma que as decisões que as pessoas tomam - mesmo as mais milimetricamente calculadas - são contaminadas por sentimentos ou influências imperceptíveis. E essas decisões costumam ser tomadas sem racionalidade.

Sem perceber, os indivíduos, frequentemente, deixam de usar a razão. Isso acontece porque as decisões humanas são guiadas por fatores que passam despercebidos pelo cérebro. É possível estimular as pessoas a ver a realidade de um jeito distorcido - e elas acharão que estão vendo tudo da forma mais lógica possível.

Se uma pessoa é estimulada a adotar certa perspectiva, ela pode acabar percebendo o mundo de forma diferente - o que se reflete em suas decisões. Um exemplo: alunos do MIT foram reunidos para fazer uma prova de matemática. Eles tinham 5 minutos para resolver vários problemas. Ao fim do tempo, deveriam rasgar a prova, dizer quantas questões haviam feito e ganhar dinheiro por elas.

O resultado: vários alunos mentiram, porque sabiam que não seriam pegos. Mas, num dos testes seguintes, os alunos tiveram de jurar sobre a Bíblia que não iam enganar os pesquisadores. E eles não mentiram - nem mesmo os ateus. Ou seja, não tiraram uma conclusão em função dos benefícios do dinheiro e do risco de serem pegos. O raciocínio deles foi orientado pela moral, e isso inclui aqueles que supostamente nem acreditam na Bíblia.


quarta-feira, 24 de abril de 2013

DEVINIÊNCIA JURÍDICA

Há realidades que devem ser concebidas como processos. Configuram-se como um ir sendo, de modo que sua realização consiste em sua atualização. Nessa perspectiva, realizar equivalerá, em alguma medida, a mudar. Realidades consistentes em sucessões transitórias são realidades devinientes. Elas se caracterizam pelo contínuo devir, devém, regeneram-se incessantemente.
O direito apresenta-se como realidade deviniente. Não existe direito definitivo, invariavelmente constituído. O direito se configura em contínua transformação.
José Lourenço de Oliveira e Xavier Zubiri usam o termo deveniente (de devenir) e José Ferrater Mora deviniente (de devir), mas ambos expressando a mesma ideia. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa [5ª edição, São Paulo: Global, 2009] traz tanto o verbo devir, quanto devenir e os dicionários registram-nos como sinônimos, significando “vir a ser; tornar-se, transformar-se”, derivando do latim devenire. O Dicionário Houaiss registra o ingresso de devir na língua portuguesa por volta do século XIII e de devenir no final do século XIX. Embora as expressões deveniente e deveniência sejam mais recorrentes (ainda que não constem do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, são expressões muito usadas em obras sobre literatura, história, filosofia, entre outras), nessa tese, optou-se pelo uso de deviniente (deviniência) pela precedência e maior incidência de devir. Deveniente é termo latino conhecido e utilizado, desde há muito, pelos sábios, dentre eles os juristas. Apenas a título exemplificativo (sem pretensão exauriente): Andreæ Fachinei, Cornelius van Pijnacker, Controversiarum juris libri tredecim, H. Demen, 1678. p. 870. Thomæ Le Blanc, Psalmorum Davidicorum Analysis, Tomus Tertius, Friess, 1682. pp. 1587 e 1588. Antonij de Gamma. Decisionum supremi Senatus Lusitaniae Centuriæ IV, J. B. Verdussen, 1683. p. 43. Robert Joseph Pothier, Daniel Jousse, Pandectes de Justinien, Dondey-Dupré, 1822. p. 474, nota 7.

domingo, 21 de abril de 2013

O guardião da constituição

Um grande equívoco de muitos ditos constitucionalistas consiste em considerar constituição como “conjunto das normas fundamentais do sistema”. Confundem, portanto, constituição (algo em constituição, construção) com legislação constitucional. Não bastasse, ainda trabalham na ultrapassada perspectiva de encarar o direito como sistema.

Constituição mostra-se como construção, expressa-se como algo em ininterrupta formação. Decisões do STF constituem um tijolo a mais nessa contínua construção. Na permanente constituição (construção), tijolos poderão ser, indefinidamente, reformados, retirados e/ou recolocados.

A constituição deve ser percebida dinamicamente. Entre o ainda não e não mais. Sua realização nas demandas jurídicas, “hoje (agora)”, afigura-se como produção dos tribunais e, em última instância judiciária, do Supremo Tribunal Federal. A constituição realizada por meio de determinação judiciária “será do tamanho que a ela” o Supremo Tribunal Federal atribuir “na amplitude dos” juízos de seus ministros, caso contem com adesão popular.

“O direito é uma prudência, no âmbito da qual não se encontram respostas exatas, senão uma multiplicidade de respostas corretas [melhor seria se tivesse dito, na linha de Kelsen, autênticas]. (...) A Constituição diz o que nós, juízes desta Corte, dizemos que ela diz. Nós transformamos em normas o texto escrito da Constituição... Nós, aqui neste Tribunal, nós produzimos as normas que compõem a Constituição do Brasil hoje, agora. Nós é que, em derradeira instância, damos vida à Constituição, vivificamos a Constituição. E ela será do tamanho que a ela atribuirmos na amplitude dos nossos juízos”. [Ministro Eros Grau em voto na ADI 4219-SP].

“Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (= a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são." [AI nos EREsp 644736/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007, p. 170]

A constituição realizada mediante decisão jurisdicional só não se revelará como tal, caso o povo não aceite os resultados exarados da corte maior e se revolte contra eles. Aos que não se conformarem com a determinação judiciária, resta, apenas, a possibilidade (em alguma medida, cívica e benfazeja) de buscar convencer os demais a derrubá-la pela via da revolta. Uma vez acatada pacificamente pelo povo, a determinação de constitucionalidade emanada do pretório excelso será autêntica (alguns preferem legítima), isto é, representará a configuração do constitucional em dada demanda e, assim, constituirá direito.

Por outro lado, mostra-se aconselhável lembrar que – embora possa parecer que “o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é” e, na maioria das vezes, o que parece se confirma – o guardião da constituição da constituição não é, ao contrário do que pensa o ministro Teori Zavascki, o Supremo Tribunal Federal, mas a soberania popular latente [no preciso sentido lexical de “presente de forma inativa, mas passível de vir à tona”].

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Exame de Ordem.

O exame de ordem deveria ser um "selo de qualificação". Haveria profissionais com e sem. Clientes escolheriam quem contratar. O mercado costuma ser implacável com os profissionais ruins. Inclusive, com os péssimos advogados aprovados no exame de ordem. Há certos presidentes de comissões de exame de ordem, para os quais não teria coragem de delegar uma demanda minha ou de meus familiares. Exame de ordem não comprova capacidade de exercício profissional, mas apenas capacidade de decoreba e formatar "pecinhas" e "respostinhas". Passei por um profundo processo de emburrecimento para ser aprovado no exame de ordem. Tive de memorizar o que havia de mais estúpido.

sábado, 22 de outubro de 2011

Talvez o direito como objeto do conhecimento científico pertença, realmente, a uma faculdade de filosofia, história ou ciências sociais.

as Law Schools americanas não tem nenhum interesse especial por uma teoria científica do direito. São training schools - escolas de profissionalização jurídica; sua função é a preparação para o ofício prático de um advogado. Ensina-se quase exclusivamente o direito americano, adotando-se o método de casos. Já que os tribunais americanos fundamentam suas decisões essencialmente em precedentes, é compreensível que as Law Schools tenham como meta de ensino deixar os estudantes familiarizados com o maior número de casos possível. Após a conclusão do curso, um estudante de direito americano está certamente melhor preparado para a advocacia [para seu ofício como advogado] do que um estudante austríaco ou alemão. Talvez o direito como objeto do conhecimento científico pertença, realmente, a uma faculdade de filosofia, história ou ciências sociais.” (KELSEN, Hans. Autobiographie. In: JESTAEDT, Matthias (hrsg.). Hans Kelsen im Selbtszeugnis. Mohr Siebeck, 2006, p. 93-94. Tradução Livre de Thiago Tannous)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Taxismo jurídico; breves considerações

O taxismo jurídico consiste num embuste corriqueiro nas academias brasileiras. Para falar de qualquer tema, torna-se necessário fazer um percurso (abordagem do tema) e chegar a um destino (posição sobre o tema).

Os encarregados de ensinar direito passam a se comportar então como passageiros de corridas de táxi. Independente do lugar aonde rumam (do tema a ser analisado), valem-se de taxistas. Geralmente, não sabem guiar, tampouco conhecem as dificuldades do trânsito, possuem pouca familiaridade com localizações... Alguns, embora habilitados, preferem a comodidade do chofer.

O passageiro do táxi, geralmente alguém descompromissado com aquele momento (vez que delega a responsabilidade da condução: preocupar com o caminho a ser trilhado, dirigir, atentar-se para os desafios do trânsito, driblar eventuais engarrafamentos e similares), ao sentar-se na poltrona, relaxado e seguro, sente-se descontraído e sem preocupações, para falar de qualquer assunto. Uma vez no táxi, chega-se onde quer...

Os professores de direito costumam ministrar aulas, escrever artigos e livros, participar de bancas, fazer conferências, entre outras atividades. Nelas, há temas a serem abordados (percursos a serem feitos) e, não raro, conclusões a que se pretende alcançar (destino).

Os pretensos professores de direito, adeptos do taxismo, não se fazem de rogados. Falam de cidadania, democracia, constitucionalismo, violência, cosmologia, energia nuclear e legística com a mesma desenvoltura. Tudo bem que eles jamais tenham feito qualquer reflexão mais audaz sobre o tema. Pouco importa se são incapazes de pensar sobre tais questões de modo digno e amadurecido. O taxista está lá para levá-los...

O passageiro do táxi (por vezes denominado professor de direito) não sabe, por exemplo, o que é democracia. Tampouco refletiu detidamente sobre tal questão. Nunca se preocupou em investigar mais a fundo o assunto. Não possui opinião pessoal a respeito. Mas ele sabe, ainda que superficialmente, o que Dworkin e Habermas (os taxistas) pensam sobre democracia.

O passageiro do táxi se recusa a agir como Dworkin ou Habermas. Para que ter o trabalho de aprender dirigir? Para que se dar ao luxo de ficar olhando mapas, para saber encontrar o destino? O que levaria alguém a perder tempo com as complicações do trânsito? Definitivamente... Revela-se muito mais cômodo, para falar de qualquer coisa, valer-se de Dworkin ou Habermas. Ele não sabe falar sobre cidadania, mas sabe, ainda que com eventuais simplificações e deformações caricatas, o que Dworkin ou Habermas escreveram sobre cidadania.

Frequentemente, não importa qual seja o destino, eles querem sempre fazer o mesmo percurso. Irrelevante se o destino é o centro ou a periferia, ele, necessariamente, tem de passar pelo parque da Zona Sul. Praticamente já decorou o trajeto que o taxista faz da casa dele ao parque da Zona Sul.

A reflexão sobre o taxismo jurídico é das mais urgentes, para se empreender efetivas mudanças no aprendizado jurídico atual.